Nem todos sabem, mas as emissoras brasileiras não são propriedade de empresários endinheirados ou grupos poderosos. São, na verdade, concessões cedidas temporariamente pelo governo federal a empresas para que os canais sejam explorados de acordo com certas regras. Uma dessas regras, estabelecida pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, é que as emissoras reservem 5 horas semanais para programas educacionais.
O conceito de educação é complexo, e não pretendo entrar no mérito dessa densa discussão aqui. Mas puxo essa informação inicial para esclarecer que, cada vez que uma emissora investe em algum programa de cunho mais pedagógico, não o faz necessariamente por razões altruístas e sim porque é uma obrigação que mantenha esse tipo de atração dentro de sua grade.
Faço esse preâmbulo para comentar sobre o Como Será?, que provavelmente representa a “cota” educativa na programação da Rede Globo. Estreado em 2014, ele é, de fato, a junção de outras atrações já extintas na emissora (Globo Ciência, Globo Universidade, Globo Ecologia, entre outros). Esse dado é importante porque ajuda a entender qual o perfil do programa: um medley de matérias de fundo educativo, reportagens de cunho científico, sobre eventos curiosos, quizzes e outros conteúdos voltados a variedades. Tudo isso – conforme anunciado no próprio site do programa – com uma linguagem lúdica e interativa.
Capitaneado pela apresentadora Sandra Annenberg, o Como Será? acaba configurando como uma espécie de alívio ao que a jornalista faz diariamente no noticiário Jornal Hoje. Não por acaso, ela está bem mais sorridente aqui, o que sugere o tempo todo que este programa seja seu “xodó”. Por vezes, inclusive, ela se refere com carinho ao Como Será? durante o telejornal que apresenta.
A linguagem múltipla de ‘Como Será?’ se direciona a públicos diversos, o que acaba causando a sensação de que ele tem uma dificuldade em definir com quem comunica.
Faço essa ressalva para destacar como mérito do Como Será? o fato de ser uma atração menor da Globo, com um aspecto quase artesanal, distante da superprodução que envolve outras atrações da emissora. Como Será? consegue atrair o espectador justamente por esse aspecto meio minimalista que carrega, reforçado pelo tom familiar (é comum, por exemplo, que o cenário seja decorado por fotos dos espectadores e dos próprios funcionários do programa e de seus familiares). Também não à toa, a esfera da produção, o “por trás das câmeras”, é constantemente enfocada durante as gravações. Há uma intenção bastante clara de criar uma sensação de proximidade entre produção e seus espectadores.
As pautas costumam ser voltadas a todo o espectro dos temas relacionados à cidadania, acessibilidade, educação, ecologia e suas variantes. Ao mesmo tempo, o formato é bastante flexível: é possível misturar tudo isso com o que mais vier à telha de seus produtores. Em um dos episódios, por exemplo, no quadro “Hoje é dia de”, o programa falou de musicais. Para isso, montou seu próprio musical, remetendo ao clássico Hair, gravado nos próprios corredores da Globo, bem longe das produções grandiosas (e por vezes desnecessárias) de outras atrações da emissora. Noutro programa interessante, o Como Será? falou de métodos de investigação e produziu uma narrativa detetivesca que referenciava os romances noir.
E talvez seja justamente aí que encontramos uma fragilidade do formato do Como Será?, decorrente, provavelmente, do fato de ele surgir da mistura de vários programas prévios. Sua linguagem múltipla se direciona a públicos diversos, o que acaba causando a sensação de que ele tem uma dificuldade em definir com quem comunica. Ao falar com todo mundo (crianças, jovens, adultos) ele talvez acabe por falar com quase ninguém. Explico: o programa junta reportagens razoavelmente mais complexas, de cunho científico, como as que buscam soluções energéticas sustentáveis, com charadinhas destinadas a crianças e matérias de turismo voltado a deficientes. Exibe ainda um quadro mais conceitual, “Repercutindo ideias”, produzido pelo núcleo de responsabilidade social da Globo e claramente inspirado no conhecido formato do TED Talks.
Mas acredito que o grande trunfo do Como Será? é a presença do jornalista e repórter Alexandre Henderson, que encabeça parte das matérias do programa. Muito carismático, Henderson está perfeitamente encaixado na proposta da atração e traz uma atratividade irresistível a todas as pautas que explora. Possivelmente seu talento não estaria tão bem evidenciado caso tivesse que concretizar um trabalho mais contido em um jornalístico convencional, por exemplo.
O profissional, que recentemente venceu-se o Prêmio Comunique-se como repórter de cultura, ainda carrega uma importante bandeira da representatividade da população negra na televisão. A qualidade de suas produções ajuda a sedimentar o Como Será? como uma boa forma de começar os sábados de manhã.