Hayao Miyazaki é um desses diretores que praticamente não precisam ser introduzidos. Um dos maiores animadores do Japão, seus longas-metragens, principalmente os produzidos pela sua companhia Studio Ghibli, estão entre os mais celebrados do mundo.
Curiosamente, porém, pouco se fala aqui no Ocidente de sua obra pré-Ghibli, as animações nas quais ele trabalhou entre os anos 70 e começo dos anos 80. Uma pena, pois com isso muitos perdem a chance de conhecer algumas legítimas pérolas. E Conan, o Rapaz do Futuro é uma delas.
Embora não seja exatamente o primeiro trabalho de Miyazaki como diretor (ele já havia dirigido episódios de séries como Lupin III), esta série de 26 episódios foi a primeira que ele dirigiu do começo ao fim, e o primeiro grande projeto ao qual lhe foi dado total controle criativo – e imediatamente se percebe isso. Produzida e lançada em 1978 (um ano antes de seu primeiro longa-metragem, O Castelo de Cagliostro), Conan possui muito do que mais tarde viria a ser caracterizado como o estilo próprio de Miyazaki.
A história se passa após uma Terceira Guerra Mundial que eclode trinta anos no futuro (ou seja, no “distante” ano de 2008). Como resultado do uso de poderosíssimas armas magnéticas, o movimento das placas tectônicas e inclusive o eixo da Terra são alterados, fazendo as grandes massas continentais desaparecerem embaixo d’água e deixando apenas algumas poucas ilhas na superfície. Em uma dessas ilhas, vive Conan, um garoto de 11 anos, junto com seu avô, ambos acreditando serem os únicos humanos restantes no mundo. É então que, um dia, Conan encontra na praia uma garota da mesma idade que ele, Lana, e através dela ele descobre que aparentemente há outros sobreviventes se organizando para preservar o que restou da vida na Terra – mas alguns deles parecem não ter aprendido a lição com a catástrofe causada pelo conflito.
Bem que poderiam exibir na televisão aqui no Brasil, não vejo o que as crianças não poderiam apreciar.
Como se percebe, Conan lida com muitos dos temas tipicamente “miyazakianos”: a relação do homem com a natureza, a tecnologia como algo que pode ser usado tanto para bons quanto para maus propósitos, o conflito humano visto por um viés pacifista, e por aí vai. O próprio universo da série possui uma estética própria do diretor, seja no design dos personagens – muitos dos quais, aliás, viriam a servir de protótipos para personagens de seus trabalhos seguintes, como Nausicaä do Vale do Vento e O Castelo no Céu -, nos arquétipos utilizados – com destaque especial para os personagens que, embora comecem como protagonistas, ao final se mostram como não sendo propriamente maus – e, claro, na variedade de máquinas voadoras e outras parafernálias mecânicas, sem falar nas fortalezas elaboradas.
A única infelicidade da série é que ela é um produto de seu tempo, ou seja, da limitada animação televisiva japonesa dos anos 70. Por isso, se comparado com os filmes que Miyazaki viria a fazer em seguida, a animação em Conan não é tão consistente, nem tão colorida, e muito menos tão fluida… Mas fica bastante claro que, dentro das limitações, foi feito o melhor trabalho possível. O talento de Miyazaki como diretor é aqui evidente, com os traços e as cores sendo bastante superiores aos das séries animadas da mesma época, e sua beleza pode ser notada ainda hoje, tanto na animação quanto na história, que de tão concisa chega a parecer mais um longo filme dividido em 26 partes do que propriamente uma série de 26 episódios.
É uma pena que Conan, o Rapaz do Futuro nunca tenha sido lançada no Brasil, apesar de ainda atualmente ser imensamente popular em vários países do mundo árabe, onde reprises vira e mexe passam na televisão, e, interessantemente, ter ganhado um verdadeiro culto em Portugal desde quando foi ao ar pela primeira vez, em 1984 – o que, considerando que foi inicialmente exibida com o áudio original e legendas, quer dizer bastante coisa. Naquela época, ninguém nem sabia quem era Hayao Miyazaki: era uma série bonita com uma história envolvente, que encantava os adultos e era assunto de conversas entre as crianças nas escolas, e isso bastou para se tornar um clássico onde quer que fosse exibida.
E se você já souber quem é Miyazaki, bem, então não há o que não amar aqui. Mas bem que poderiam exibir na televisão aqui no Brasil, não vejo o que as crianças não poderiam apreciar em Conan. Por enquanto, o mais recomendado para os interessados na série é procurar por alguma versão portuguesa, uma vez que lá ela já foi inclusive lançada em vídeo (tanto que o título que estou aqui utilizando, Conan, o Rapaz do Futuro, é o título oficial da série em Portugal).