Não é mais inusitado que os assuntos da internet virem destaque em programas de televisão. Até mesmo em telejornais existem pautas provenientes do meio virtual. Já foi noticiado no Jornal Nacional, por exemplo, os bloqueios sofridos pelo WhatsApp, bem como a limitação de compartilhamento de mensagens nessa rede social a fim de evitar a disseminação de notícias falsas, as fake news. E no Conversa com Bial, que se propõe justamente a debater questões que mobilizam a sociedade, não poderia ser diferente.
O programa da última terça-feira, 9, foi pautado pela polêmica de algumas semanas atrás envolvendo a Embaixada da Alemanha no Brasil e alguns brasileiros. O fato ocorreu depois que a Embaixada postou um vídeo no Facebook sobre o nazismo, suas consequências e a postura adotada pelo país para ensinar a história e não deixar com que os alemães cometam o mesmo erro. Dezenas de usuários brasileiros contestaram a existência do Holocausto, alguns utilizaram o termo “holofraude”, além de afirmarem que o nazismo foi um regime de esquerda.
É lamentável reconhecer o que deu origem a esse tipo de pauta: a ignorância, a arrogância, a violência e o ódio propagado.
Pedro Bial deixa claro desde o início do programa que a pauta não foi por acaso. Embora não especifique exatamente o episódio, ele demonstra os motivos que levaram ao roteiro daquele dia. “Nesses tempos de revisionismo alucinado, sem qualquer compromisso com a realidade histórica, e que pobres boçais usam a internet para alardear, com orgulho, a sua ignorância, batendo o pé para dizer, por exemplo, que a Terra é plana, é mais importante do que nunca conhecer a história que vamos ouvir hoje. Racistas de todo o mundo, de jovens militantes a chefes de Estado, já chamaram o extermínio organizado de 6 milhões de judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias de ‘6 milhões de mentiras’. Hoje recebemos aqui um sobrevivente brasileiro do Holocausto. Isso é a mais pura verdade”, diz o apresentador.
O entrevistado foi Andor Stern, sobrevivente que passou por diversos campos de concentração. O senhor de 90 anos contou sobre a sua luta diária na época e das marcas deixadas pelos nazistas, as físicas, as psicológicas e as emocionais. O programa recebeu também o professor e historiador Gabriel Davi Pierin, que escreveu a biografia do brasileiro, e gravou, no Memorial da Imigração Judaica, em São Paulo, depoimentos de outros dois sobreviventes, Nanette Blitz Konig e Tom Venetianer.
Todo o relato de Andor foi emocionante. Ele descreveu como uma das coisas mais importantes do seu dia a dia poder escolher qual o caminho percorrer para chegar ao seu trabalho e disse, com a voz embargada: “Meu amigo, eu sou livre!”.
Bial ainda interrogou Andor sobre como ele reage quando vê ou escuta pessoas negando a história que ele próprio viveu. E, para finalizar a conversa, o apresentador faz um próprio desabafo: “A Alemanha, depois de tudo o que aconteceu, passou a ser um exemplo para todos os países, inclusive para o Brasil. Porque não é permitido aos alemães se esquecerem de algo que é insuportável lembrar. Mas eles lembram! E nós, brasileiros, também temos em nossa memória os nossos holocaustos particulares: mais de 300 anos de tráfico negreiro, de escravidão… Para não esquecer também. Então eu acho que todos nós, alemães, brasileiros, chineses, fazemos parte do projeto humano. A gente não pode esquecer onde pode nos levar o ódio.”
O historiador presente completa: “Quantas vidas foram ceifadas, quantas mentes brilhantes deixaram de existir, quantos sentimentos foram dilacerados em função do ódio, seja por meio da escravidão, por meio das ditaduras, por meio do Holocausto… Então, é uma missão que a gente tem como comunicador, historiador, professor, como cidadão do mundo: não permitir que isso volte a acontecer”.
Os longos relatos transcritos aqui são para mostrar àqueles que não assistiram ao programa a aula de história, de vida, de ética, de cidadania, de democracia, de direitos, de igualdade e de empatia que foi o Conversa com Bial.
Não digo que foi triste o acontecimento dessa entrevista e do roteiro do programa, porque ouvir as histórias de vida de sobreviventes de um dos piores atos de crueldade da história da humanidade é, sem dúvida, um despertar para questões tão primordiais e tão básicas, como o direito à vida e o respeito ao próximo. Mas é lamentável reconhecer o que deu origem a esse tipo de pauta: a ignorância, a arrogância, a violência e o ódio propagado.
Se, por um lado, a televisão perdeu espaço para a internet pela diversidade, amplitude e possibilidades que essa oferece, por outro, ela pode utilizar-se de sua característica de concentração de conteúdo para direcionar e legitimar ou não as polêmicas e os discursos vindos do mundo virtual (mas que também estão presentes, e muito, no mundo físico).
Fica aí, então, a breve aula de história do Conversa com Bial. O Holocausto existiu sim!