O ano era 2009. Uma pandemia mundial se espalhava por todos os continentes, fazendo com que a gripe A H1N1 (também conhecida popularmente como “gripe suína”) gerasse um clima de tensão em todos os lugares. No Brasil, como em outros países, pessoas foram contaminadas, algumas morreram. O governo brasileiro tomou uma série de ações e de recomendações para lidar com o surto e evitar possíveis contaminações. Eventos de grande aglomeração foram cancelados por um período de tempo.
É tudo muito parecido com o que vivemos neste exato momento, com a pandemia do Coronavírus. Em 11 anos, no entanto, talvez haja uma diferença crucial: o acesso a fontes de informação aumentou exponencialmente. Em 2009, ainda engatinhávamos no 3G, e a internet não era exatamente onipresente. O fenômeno assustador das correntes de transmissão de “notícias” via WhatsApp não era previsto nem nos nossos piores pesadelos. Se antes os jornalistas tinham um razoável monopólio da informação, hoje eles dividem a mesma função não apenas com a tia ou com a vizinha, mas com gente mal-intencionada.
Diferente de outras crises, esta pandemia, ao que me parece, tem uma característica palpável, uma vez que toda hora recebemos mais notícias de pessoas contaminadas pelo vírus, como Tom Hanks, Preta Gil, o secretário de comunicação Fabio Wajngarten. Programas televisivos, que demandam de grande produção, já começam a ser afetados, impactando na rotina da população e aumentando o clima de tensão. A chegada da doença em “celebridades”, e não em pessoas aleatórias, que eu não conheço, assusta pela suposta proximidade: se até o presidente, com todo seu aparato de poder, pode ter pegado o Coronavírus, por que eu estaria imune? A cada notícia, sentimos que o “monstro” – pois a eclosão de uma doença serve sim como metáfora daquilo que nos perturba, como bem esclarece o psicanalista Contardo Calligaris – nos espreita e está mais próximo.
Frente a isso, fica claro então que nessa situação hoje exige um tipo de papel das emissoras televisivas que outrora elas não tinham. Junto com outros veículos jornalísticos profissionais (como rádios, jornais, portais), a TV enfrenta o desafio de informar uma população assustada, sedenta por alguma segurança naquilo que chega até ela. O enigma, portanto, é encontrar a medida certa: de respeitar o medo (reação razoável e que tem a ver com nossa própria sobrevivência) mas não estimular o pânico (que paralisa e/ou faz tomar decisões impensadas e prejudiciais).
A verdade é que são nestes momentos de crise iminente que o jornalismo mostra sua importância e precisa agir com rapidez, desdobrando todos os procedimentos técnicos para o qual se preparou durante os anos. De modo geral, o que temos visto até agora é uma cobertura oscilante entre estes dois posicionamentos – o informativo e o alarmista. As pautas escolhidas têm tentado tocar dos dados, em seu aspecto tranquilizador (com especialistas equivalendo o Coronavírus a uma gripe como outras, trazendo estatísticas de mortalidade, esclarecendo quais os grupos vulneráveis), mas contaminando-se, é claro, com a “humanidade” dos profissionais de imprensa e os interesses comerciais das emissoras (que são, vale sempre lembrar, empresas).
A verdade é que são nestes momentos de crise iminente que o jornalismo mostra sua importância e precisa agir com rapidez, desdobrando todos os procedimentos técnicos para o qual se preparou durante os anos.
A GloboNews, por exemplo, resolveu dedicar uma cobertura exclusiva à pandemia no domingo, 15 de março (alguns críticos desconfiaram que essa cobertura se dá exatamente no dia da estreia da CNN Brasil, como se o Coronavírus fosse uma arma para roubar audiência). Outro caso marcante, dessa vez indicando a contaminação de um profissional com sua pauta, foi quando Ilze Scamparini, uma espécie de ícone do jornalismo internacional com suas notícias enviadas da Itália (o país europeu mais acometido pela pandemia), embargou a voz ao falar ao trazer informações ao Bom Dia Brasil – trazendo uma percepção coletiva que, se jornalistas tão acostumados com tragédias estão chorando, é porque há algo sério com que se preocupar.
No último sábado (14 de março), o Jornal Nacional fez uma edição especial que dedicou praticou toda sua cobertura a falar sobre a crise de saúde que acomete o mundo inteiro, sobrando pouco espaço para notícias muito impactantes, como a morte de Gustavo Bebianno, ex-ministro do governo Bolsonaro e pivô de uma das várias crises políticas enfrentadas pelo atual presidente. A morte de Bebianno foi parar no “pé” do telejornal e, de certa forma, foi engolida pelo Coronavírus, pauta desdobrada durante todo o Jornal Nacional. De notícia muito relevante (pois há suspeitas levantadas por muita gente de um possível envenenamento, uma vez que Bebianno se tornou persona non grata do clã Bolsonaro), o fato tornou-se qualquer coisa que aconteceu, ficando à espera de uma elucidação e uma atenção maior por parte da imprensa.
Por isso, se há algo bom numa tragédia como é a eclosão coletiva de uma doença, é o fato de ela forçar o jornalismo a repensar suas práticas e testar se, de fato, continua preparado para desempenhar o seu papel. Uma última percepção: no afã de trazer informações e apagar os estragos da fake news, a cobertura ainda peca no quesito “personalização”, pois ainda permanecemos no campo do imaginário, sem ver muito a cara dos portadores da doença. Um contraexemplo: o Fantástico, ao entrevistar celebridades que receberam o diagnóstico positivo, presta um importante serviço para a população pois tende a diminuir o pânico que se espalha em redes digitais. Cabe às emissoras seguir o mesmo exemplo e funcionar como uma bússola que guia, e não um apito que alarde e apavora.