Com o registro de uma das piores audiências do Jornal Nacional (leia aqui), já pululam nas redes hipóteses diversas sobre a celebrada queda deste que é nada menos que o telejornal mais assistido no país há pelo menos 40 anos. A crise das novelas, a concorrência com a Record, a disputa com os serviços on demand, como o Netflix, a ascensão de audiência durante o horário de Chiquititas, no SBT (quem vê Chiquititas assistiria ao JN?): todos estão entre os fatores listados pelos críticos para explicar esta crise.
Chama-me a atenção em algumas análises a ênfase dada a uma hipótese menos verificável e mais interessante: a de que os índices decrescentes da gigante Globo revelam, de fato, uma crise na confiabilidade quase inabalável mantida historicamente pela emissora com a maior parte da população. Quase como a realização de um sonho utópico saído de Muito além do Jardim Botânico, o documentário “maldito” da BBC que denunciava (com certa imprecisão reconhecida posteriormente) as distorções feitas pela Globo durante vários episódios da história brasileira.
Esta visão se sustenta numa constatação – algo deslumbrada, embora bastante pertinente – de que a quantidade de veículos de comunicação que nos cerca tem nos tornado experts em mídia, e que estamos mais propensos a responder criticamente àquilo que consumimos. Este tipo de posicionamento se expressa, por exemplo, no artigo do jornalista Luiz Carlos Azenha na revista Fórum (leia aqui). Ele mesmo um ex-profissional da emissora, Azenha desconfia que o que era apenas “coisa de acadêmico” se tornou voz corrente dos brasileiros: a Globo faz política, tem visões nitidamente ideológicas que contaminam seus produtos e agora tudo isso estaria sob domínio público da nação. Graças, acredita ele, ao “advento das redes sociais”, que desenvolveu uma massa crítica de telespectadores capazes de identificar todos estes problemas.
Os mais observadores talvez já constatem mudanças no jornalismo, televisivo ou não: visto que agora todos produzem algum tipo de informação, os telejornais precisam correr para se adaptar e a ‘concorrer’ com as versões dos fatos geradas no mundo lá fora.
Acredito que haja sintomas visíveis para assegurar, sim, um amadurecimento nosso, o público, que agora somos consumidores de mídia mais preparados. São mais canais de crítica circulando – dentre os quais a Escotilha modestamente se inclui -, mais debate público, mesmo em redes sociais, mais olhares variados e, consequentemente, mais desconfiança. São mais vozes que se levantam a partir do próprio público e agora buscam legitimidade. Afinal, hoje todos temos alguma ferramenta de comunicação em mãos e parecemos francamente dispostos a publicar nossas versões sobre os fatos neste vasto mundo da internet.
Os mais observadores talvez já constatem mudanças no jornalismo, televisivo ou não: visto que agora todos produzem algum tipo de informação, os telejornais precisam correr para se adaptar e a concorrer com as versões dos fatos vindas do “mundo lá fora”, e por isso menos associadas a este “padrão Rede Globo” de falta de transparência. Ou por que você acha, caro leitor, que cada vez mais as emissoras têm utilizado materiais gerados pelos seus espectadores?
Por outro lado, é preciso manter a sobriedade para não superestimar esta formação da “massa crítica” ou, mais arriscado ainda, acreditar no discurso fantasioso de que um maior acesso à comunicação signifique, necessariamente, uma melhor qualidade naquilo que se fala. Afinal, o discurso da desconfiança também pode ser raso e virar a regra. Basta ver que as opiniões do ódio continuam assaltando o espaço do debate consistente – razão que levou ao jornalista Leonardo Sakamoto a fechar os comentários em seu blog (leia mais aqui) – e Veja continua disparada como a publicação jornalística mais lida do país.
Parafraseando o texto de Azenha: sim, os grandes veículos jornalísticos ainda falam, mas cada vez mais ouvem – porém, estejamos certos de que estão sempre bem propensos a adaptar o que escutam para os seus próprios interesses.