Novamente falemos aqui sobre Sir David Attenborough. Um dos maiores – e mais relutantes – tesouros da televisão britânica, Attenborough já apresentou algumas das melhores séries documentais produzidas pela BBC. Trabalhando para o canal desde a década de 1950, mesmo aos 92 anos, ele continua até hoje a apresentar algumas das mais incríveis séries de natureza já feitas, com sua narração (muitas vezes escrita por ele mesmo) que consegue transmitir uma interpretação única das maravilhas naturais do mundo, ao mesmo tempo apaixonada e perspicaz, capaz assim de dar humanidade até mesmo ao menor dos animais.
Como eu já disse, porém, é realmente difícil definir qual entre as gemas de Attenborough é a melhor. Seria Planeta Terra, o documentário de natureza mais caro já comissionado pela BBC? Ou então Vida, que registrou diversos comportamentos inéditos de animais? Ou ainda Planeta Congelado, um dos mais assistidos? Mas hoje irei falar de África, principalmente porque o trabalho de câmera desta série foi um dos que mais me impressionaram.

Entre as múltiplas séries que Attenborough já realizou, esta é sem sombra de dúvida mais uma que honra ao nome dele.
Lançado em 2013 e utilizando o que havia na época de mais recente em tecnologia de Alta Definição, a série é uma viagem por alguns dos ecossistemas mais incríveis do continente africano – o deserto do Saara, as savanas do Vale do Rift, a bacia do rio Congo, o deserto do Kalahari e o Cabo da Boa Esperança. Em seis episódios de uma hora cada, ela dá uma ideia não apenas da diversidade e da escala maciça das regiões geográficas registradas, mas também do comportamento individual e social de diversos animais que neles vivem – o que fica particularmente evidente no episódio do Cabo, em que são filmados lado-a-lado desde os hábitos alimentares das gigantescas baleias-de-bryde até o drama da vida amorosa dos besouros-macacos nos campos floridos da África do Sul.
Mas África não dá uma visão apenas sobre os animais desses lugares, embora eles tenham um foco principal: a série explora também como esses ecossistemas são moldados por particularidades geológicas e climáticas bastante específicas, e, portanto, como eles estão sendo afetados pelas mudanças no clima e pelo aumento da população humana. O último episódio é inclusive inteiramente dedicado a mostrar esforços que têm sido feitos para salvar a biodiversidade do continente – mas não de ONGs com financiamento mundial, e sim de pessoas locais e seus trabalhos que, apesar das escalas pequenas, tiveram enormes resultados.

Como já é de se esperar das séries de natureza da BBC, porém, o roteiro – que mostra todo o entendimento que Attenborough tem sobre a África – seria nada se não estivesse acompanhado de um fantástico trabalho de câmera. Evitando trazer “mais do mesmo”, a equipe de produção conseguiu filmar algumas cenas inéditas de animais já conhecidos, dando um novo olhar ao comportamento deles. Câmeras noturnas mostram um lado inesperadamente sociável de rinocerontes; câmeras lentas mostram toda a brutalidade de uma luta entre girafas; o documentário foi inclusive o primeiro a mostrar ao público a vida do peixe-gato-dourado, existente exclusivamente na Caverna do Bafo de Dragão, descoberta na Namíbia apenas em 1986.
Mas não é tudo deslumbramento. Como todo documentário de natureza, vida e morte andam lado a lado: Uns caçam, outros são caçados; uns sobrevivem, outros não. África não é exceção à regra, porém a forma como retrata a realidade selvagem pode por vezes ser… De partir o coração. E em nenhum momento isso fica mais óbvio do que no que é provavelmente a cena mais desesperadoramente triste que já vi em um documentário de Attenborough: a morte de um bebê elefante em decorrência da seca no parque de Amboseli, no Quênia, a pior seca da região em 50 anos – uma sequência tão sofrível de assistir que os cineastas, conscientes do quão eticamente questionável ela é, sentiram a necessidade de explicar porque não interferiram. Mesmo para alguém que já assiste a tais documentários há anos, não é um momento fácil de ver.

Ainda assim, no fim das contas, África continua sendo do começo ao fim um passeio e tanto pelo que ainda resta de natureza selvagem no mundo, com o padrão de qualidade que podemos esperar de um documentário de David Attenborough, maravilhando-nos com sua abordagem particular que maravilha audiência há mais se sessenta anos.
Ninguém faz séries de vida selvagem como a BBC, e ninguém fez tantas delas e com um padrão de qualidade tão alto quanto David Attenborough. Se esta é a melhor delas ou não, é difícil chegar a qualquer conclusão considerando que qualquer escolha deixará de lado inúmeros momentos de tirar o fôlego que o apresentador nos proporcionou. Mas entre as múltiplas séries que Attenborough já realizou, esta é sem sombra de dúvida mais uma que honra ao nome dele.