A quarentena, com suas limitações impostas, tem gerado um subgênero televisivo: a programação realizada dentro das casas dos artistas. O desafio para quem se aventura nestes novos programas é o de gerar formatos interessantes que sejam feitos com equipe menor, demandando menos estrutura técnica. É um obstáculo e tanto, pois exige uma criatividade que consiga se provar frente à escassez de recursos.
Neste novo subgênero, várias atrações televisivas têm sido geradas ou reformuladas: o Conversa com Bial passou a ser feito via teleconferência; Sinta-se em casa, de Marcelo Adnet, traz pequenas pílulas de humor sobre o noticiário político. Mas este texto é sobre uma comédia do cotidiano que tira sarro justamente do que a quarentena tem de mais sem graça, o interminável fazer nada. Falo aqui de Diário de um confinado, seriado protagonizado por Bruno Mazzeo, realizado em parceria com sua mulher, Joana Jabace, na direção, e gravado no apartamento onde o casal vive com os filhos.
Disponibilizado no serviço de streaming da Globoplay, Diário de um confinado tem também exibições no Multishow e na Globo. A série apresenta, em episódios curtos de dez minutos, a rotina de um homem de classe média chamado Murilo, que se vê preso em seu apartamento (que dá a impressão de ser um loft) durante os longos meses quarentenado.
Na casa dos 40 anos, Murilo é claramente um homem mimado: não sabe fazer nada em casa e é superprotegido pela mãe (Renata Sorrah), extremamente neurótica com a proteção do rebento, e pela tia (Arlete Salles), que o chama de Murilinho. Assim, “Murilinho” interage apenas com elas, com a psicóloga (numa participação bastante engraçada de Fernanda Torres), com alguns amigos e com a vizinha mal-humorada (Débora Bloch, que mora no mesmo prédio que Mazzeo e Joana Jabace, o que facilitou sua participação). A série ainda tem participações luxuosas de Lúcio Mauro Filho, Lázaro Ramos e Matheus Natchergaele.
Muito bem produzida em sua proposta, Diário de um confinado tem um certo tom de white people problems, mas mesmo assim, consegue arrancar risadas com algumas boas sacadas e ótimas performances. Numa das tiradas mais hilárias, Murilo diz que sua mãe é uma fonte extremamente confiável, pois sempre repassa fake news. Noutro episódio memorável, Murilo se aventura, via teleconferência, num encontro amoroso aparvalhado com a atriz Luciana Paes, um dos grandes nomes do humor atual.
Muito bem produzida em sua proposta, Diário de um confinado tem um certo tom de white people problems, mas mesmo assim, consegue arrancar risadas com algumas boas sacadas e ótimas performances.
Outro trunfo da série é a direção de fotografia com um tom que lembra as gravações amadoras, priorizando luzes e enquadramentos como se estivéssemos de fato vivendo a vida de Murilo. Todos os episódios são pontuados por uma espécie de solilóquio, em que o personagem principal dialoga com uma câmera, como se ele mesmo estivesse gravando o seu diário. Numa boa sacada, ele liga e desliga esta câmera ao fim de cada encontro – trazendo uma sensação de produção low-profile, totalmente condizente com a premissa da série.
Parte da graça de Diário de um confinado está no recurso que Bruno Mazzeo usa de quebra da quarta parede: a cada momento em que algo absurdo transcorre na sua rotina, ele vira para a câmera de soslaio, como se fizesse algum comentário debochado apenas com o olhar. Estabelece ali uma relação de cumplicidade com o espectador, que precisa entrar no jogo da narrativa para captar boa parte da graça do roteiro.
O Murilo de Bruno Mazzeo, de fato, é bem construído e explora bem um humor auto depreciativo que, ao que me parece, não é muito típico nos personagens deste humorista (ele despontou no filme E aí… comeu?, de 2012). Numa espécie de autocrítica, Murilo tem um deboche fino sobre a própria situação – ele sabe, claramente, que é uma espécie de “esquerdomacho” (a julgar pelos signos espalhados pela casa), despreparado para viver sozinho e atrapalhado em tudo que concerne sua sobrevivência. Não sabemos qual seu trabalho, mas imagina-se que seja um publicitário ou cineasta (mais uma vez, a julgar pelos objetos da casa). Murilo, aliás, tem empregada doméstica (que está afastada) e pede dicas a ela até para saber reconhecer um pacote de farinha de trigo, e precisa de ajuda da mãe e da tia até para fazer arroz.
Se Diário de um confinado não é o programa mais original deste subgênero da quarentena, pelo menos rende boas risadas e uma boa dose de identificação para o espectador entediado.