Na semana passada, finalmente a Globo concretizou a dança das cadeiras já anunciada há meses. Fátima Bernardes, por escolha própria, saiu do programa Encontro, que foi criado para ela quando saiu da apresentação do Jornal Nacional e migrou para a atração de variedades. Assumiu em que seu lugar Patricia Poeta, que estava no grupo de apresentadores do É de Casa, ao lado de Manoel Soares, seu parceiro no programa de sábado.
Já o É de Casa mudou quase por completo a sua equipe de apresentadores (restou apenas Thalita Morete, que havia polemizado recentemente por conta de um episódio de racismo estrutural). Os novos apresentadores são Rita Batista (que já foi repórter do Encontro e do É de Casa), Thiago Oliveira (vindo do jornalismo esportivo), além da estrela principal, Maria Beltrão, apresentadora da GloboNews há 25 anos.
E o que significam estas mudanças? Minha primeira resposta é: nada. Ou, pelo menos, muito pouco. Digo isto porque programas deste tipo – que propõem trazer um clima ameno para os lugares onde são vistos, como as casas das pessoas, salas de consultório médico, etc. – se fundamentam na criação do hábito de assisti-los. São menos programas que paramos para prestar atenção e mais atrações que entram nestes ambientes de forma sorrateira, por vezes carregando mensagens sutis.
Por isso, digo que, independente de qual seja a performance dos apresentadores, o fato é que provavelmente nos acostumaremos com eles. Mas vale a pena esmiuçar as pistas que temos até o momento sobre o seguimento do Encontro e do É de Casa.
‘Encontro’ com Patrícia Poeta (e Manoel Soares?)
Na segunda-feira, Patrícia Poeta e Manoel Soares fizeram a estreia do novo Encontro, sem Fátima. No entanto, o primeiro dia já trouxe uma discussão forte nas redes sociais: Manoel Soares, que havia sido anunciado como apresentador, divide a tarefa com Patrícia ou é apenas seu assistente?
A postura de Patrícia não passou impune dos tantos espectadores da estreia. Muitos viram sua performance como um sintoma de desespero, querendo marcar (de maneira nada natural) sua centralidade como a estrela do programa. Em uma de suas primeiras interações com Manoel, deixou isto claro, dizendo: “Fátima Bernardes durante dez anos contou com grandes parceiros, e eu vou contar muito com você, parceiro. Você já é de casa”.
Gabriel Perline, do Portal IG, categorizou a estreia como “triste”, uma vez que “a Globo nitidamente rebaixou Manoel Soares para colocar todos os holofotes em direção a Patrícia Poeta. De apresentador, ele virou assistente de palco. Foi escanteado, atravessado e interrompido diversas vezes pela nova titular”.
Já Chico Barney, Aline Ramos e Lucas Pasin, no Central Splash, do UOL, acharam a animação de Patrícia Poeta fora do tom, destoando de outras apresentadoras que ocuparam e ocupam o mesmo horário, como Ana Maria Braga e a própria Fátima.
É inevitável tocar no óbvio: que Patrícia Poeta é branca e pode ser categorizada como “padrão” (ou seja, é magra, com cabelo liso, e possui uma beleza tido como desejável por boa parte das pessoas), enquanto Manoel Soares é negro. Curiosamente, ambos iniciaram a carreira no Rio Grande do Sul: ela, na TV Bandeirantes; ele, na TVE gaúcha, em programas sobre hip hop.
Aumentar a diversidade não significa mudar o olhar para a realidade. É de Casa parece querer difundir um modelo de vida classe média/ média alta, ainda que haja matérias sobre a pobreza que só cresce no Brasil.
A partir daí, cada um foi avançando na carreira televisiva de modos diferentes. Patrícia foi contratada pela Globo em 2000, onde começou a fazer a previsão do tempo. Em 2011, ganhava a bancada do Jornal Nacional, ao lado de William Bonner.
Já Manoel foi para a RBS TV em 2002, onde se tornou uma espécie de “repórter das periferias”. Lá, fez um importante papel de consolidar uma linguagem próxima das classes C e D, em uma emissora que nem sempre abre espaço à ótica dos mais pobres. Não por acaso, dentro do grupo RBS, Manoel Soares foi colunista também do Diário Gaúcho, o jornal popular da empresa.
A escolha para que ambos sejam apresentadores do Encontro é no mínimo curiosa, pois são quase como dois opostos de uma mesma coisa. Uma analogia para quem é de Porto Alegre: é como colocar lado a lado Moinhos de Ventos e Vila Sapo. Criar uma química entre os dois nem sempre é tarefa fácil.
Na minha concepção, Manoel Soares acaba subaproveitado em relação a tudo que pode oferecer à TV aberta (mas também já o era no É de Casa). Já Patrícia Poeta segue fiel à persona que construiu durante toda a carreira, desde os tempos de apresentadora da previsão do tempo.
Novos personagens no ‘É de Casa’
Já Maria Beltrão, ao lado de seus novos parceiros, se mostrou bem mais segura e experiente nesta divisão dos holofotes no É de Casa. Mais do que a sua performance – condizente com o carisma que ela já exibia nos seus 25 anos de GloboNews – quero comentar sobre a mudança do cast do programa.
A nossa configuração do programa claramente privilegia a diversidade. Há dois novos apresentadores negros (Thiago Oliveira e Rita Batista), além de novos repórteres. Há, por óbvio, a intenção de tornar esta casa mais plural e inclusiva.
Mas o que significa mudar o elenco sem mudar a casa? Em texto desta coluna, em que pergunta “De quem é a casa do É de Casa?“, tentei chamar atenção ao paradoxo presente no âmago desta atração da Globo: a ideia é que o público se sinta em casa, embora esta casa em nada em nada lembre a casa da maior parte da população brasileira.
Aumentar a diversidade não significa mudar o olhar para a realidade. É de Casa parece querer difundir um modelo de vida classe média/ média alta, ainda que haja matérias sobre a pobreza que só cresce no Brasil. Em uma certa reportagem no programa de estreia da nova fase, um pobre repórter errou completamente o tom ao entrar no lar de uma família onde todos estavam desempregados e precisavam economizar em tudo para sobreviver.
Talvez por nervosismo ou por equívoco na própria pauta, quis criar um sentido de “o brasileiro se vira e dá a volta por cima” completamente inadequado à realidade da miséria que assola o país. Ou seja, a questão aqui tem menos a ver com a troca dos apresentadores e mais a acompanhar se estas mudanças serão capazes de refletir na própria natureza do programa, o que só conseguiremos saber a longo prazo.
Por fim, destaco que mais uma vez a Globo testa o uso de um jornalista do esporte carismático no entretenimento, o que pode ser um tiro no pé. Tomara que Thiago Oliveira não tome o mesmo rumo que Fernanda Gentil.
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