Que atualmente a televisão superou o cinema em termos de criatividade, muita gente já sabe. Se há 20 anos era quase uma ofensa convidar um ator de cinema a participar de uma série de TV, hoje os próprios atores pedem para estrelar um papel na tela menor, como foi o caso Meryl Streep, por exemplo, que pediu a Lisa Kudrow (a Phoebe, de Friends) que lhe escrevesse uma participação especial na série Web Therapy.
Exemplos de grandes seriados não faltam: Família Soprano, A Sete Palmos, Breaking Bad, True Detective e por aí vai. Aliás, no Emmy (prêmio que seleciona os melhores da televisão americana), True Detective era o favorito para vencer na categoria de melhor minissérie. Porém, não foi nenhuma surpresa quando chamaram Fargo para receber o troféu. O interessante é que, antes da série estrear, vários comentários negativos surgiram. Como assim iriam adaptar o cult filme de 1996 em uma mera série de TV? O longa foi vencedor do Oscar de melhor roteiro, ganhador do Globo de Ouro de melhor filme de comédia, melhor diretor, entre outros.
Inspirada no filme dos irmãos Joel e Ethan Coen, Fargo é uma série que utiliza narrativa semelhante a do longa e conta com a produção dos próprios irmãos Coen. Um forasteiro chamado Lorne Malvo (Billy Bob Thornton) chega a Bemidji, uma pequena (e gelada) cidade de Minnesota. Ele influencia a população com sua maldade e violência, incluindo o vendedor de seguros Lester Nygaard (Martin Freeman), gerando acontecimentos não previstos que criam, logo de início, um quádruplo assassinato. Uma policial (Allison Tolman) tenta elucidar o caso, que está fora de controle.
Se obras-primas não devem ser tocadas, logo de início percebemos que a série não é uma adaptação do filme, mas, sim, uma história com a atmosfera e traços de personagens retirados do longa, mas que tem vida própria. Não é necessário assistir ao filme para entender a série. O que vemos é algo diferente, embora homenageie o longa em diversas cenas sutis, trazendo a fotografia do filme para a TV, utilizando os silêncios de forma inteligente, tanto nas cenas de humor (negro) quanto nos momentos violentos e psicológicos.
As produções de qualidade migram do cinema para a TV, com roteiros menos padronizados e mais ousados. Esse movimento acontece há anos.
Desde o excepcional episódio piloto, Fargo aposta em roteiros minuciosos que não têm a menor pretensão de subestimar a inteligência do seu público – embora, lá pelo meio da temporada, a história fique fantasiosa demais, o que incomodou algumas pessoas. A audiência jamais é induzida ao riso fácil ou a tensão óbvia. De forma brilhante, o público se vê torcendo – mesmo sem querer – para um assassino calculista e um homem que flerta, pouco a pouco, com o mal, numa história de monstros e predadores que, bem no fundo, reflete a raça humana. Lorne Malvo acaba sendo um mentor para Lester, que vai destruindo sua persona e se transformando, cada vez mais, em um homem sem qualquer tipo de remorso.

E se a produção e o roteiro são impecáveis, as atuações não deixam por menos. Billy Bob Thornton e Martin Freeman têm um timing impecável de comédia, entregando, a cada episódio, personagens complexos e dissimulados. O personagem de Freeman passa lentamente do perdedor da cidade para um psicopata pior do que Walter White, em Breaking Bad. Aliás, Bob Odenkirk entrega mais uma bela atuação antes de voltar a ser Saul Goodman, em Better Call Saul.
Fargo é ótima por causa do seu apuro técnico visual, roteiro acima da média e atuações surpreendentes, coisas que não deveriam impressionar mais quando falamos em seriados. As produções de qualidade migram do cinema para a TV, com roteiros menos padronizados e mais ousados. Esse movimento acontece há anos. Fargo é apenas um perfeito exemplo de que a era de ouro da televisão realmente existe.
Em tempo, a série foi renovada para uma segunda temporada, que, seguindo a tendência, trará uma nova história com novos personagens, com Kirsten Dunst no elenco.
Fargo está disponível no iTunes e na Apple TV. E Fargo, o filme, está na Netflix.