Na semana passada, comentei aqui sobre como o fim do Vídeo Show sinalizava uma dificuldade da televisão em pensar novos formatos. Não obstante, havia outra lacuna muito evidente no programa: seu problema em funcionar bem enquanto jornalismo sobre celebridades. Datado e excessivamente zeloso, Vídeo Show assumia um tom de louvação em relação às estrelas da Globo, deixando nenhum espaço para aquilo que sustenta a maior parte do jornalismo de fofoca, que é a maledicência, a especulação, o comentário venenoso.
Programas sobre a televisão são curiosos, pois funcionam a partir de uma espécie de “circulação circular”: são atrações televisivas que só existem por causa da televisão, ajudando a sedimentar uma realidade particular, na qual a TV parece bastar por si mesma. Assistir a qualquer um desses programas sobre TV (como o próprio Vídeo Show, mas também A Casa é Sua, Fofocalizando, o quadro A Hora da Venenosa) é deixar que um universo específico adentre em nossa casa e passe a fazer parte de nossa vida. Deste modo, a bunda da Anitta ou o fim do relacionamento de Paola Oliveira parecem – ainda que por apenas alguns minutos – fatos realmente relevantes e que poderão ter algum impacto no nosso cotidiano. Trazem, mesmo que rapidamente, algum alívio aos nossos perrengues diários.
Frente a isso, uma questão que busquei abordar na semana passada – sobre o porquê do formato do Vídeo Show funcionar tão mal neste quesito – me fez atentar para outros programas que, em oposição, funcionam bem. Talvez um dos mais eficientes neste aspecto (jornalismo de fofoca) seja justamente um dos mais recentes, o Fofocalizando do SBT. Iniciado em 2016, Fofocalizando parece acertar em encontrar um formato simples, mas muito eficaz, para entreter e informar sobre assuntos variados que, se não são úteis, pelo menos são bastante divertidos para a audiência. Ouso aqui tentar listar alguns dos motivos do sucesso do programa:
– Fofocalizando escolheu a dedo os profissionais para a empreitada. Estão juntos no programa a verdadeira “nata” da fofoca: gente como Décio Piccinini (um dos mais antigos nomes do setor, criador da revista Ti-Ti-Ti, editor da Contigo! e muito conhecido como um dos jurados do lendário Show de Calouros de Sílvio Santos), Leão Lobo (apresentador muito famoso por sua participação em programas e quadros dentro dessa linha) e Léo Dias (jornalista reconhecido no meio como extremamente informado sobre a vida dos famosos). Juntam-se a eles Mama Bruschetta e Livia Andrade, que fortalecem a veia de humor do Fofocalizando, além do jornalista Gabriel Cartolano, o mais jovem de todos.
Fofocalizando poderia ser definido mais como um programa de mesa-redonda (ou “sofá-redondo”) do que uma mera exibição das reportagens de fofoca.
– Pode parecer que o elenco é apenas um detalhe, mas não: Fofocalizando poderia ser definido mais como um programa de mesa-redonda (ou “sofá-redondo”) do que uma mera exibição das reportagens de fofoca. Isso quer dizer que interessa mais os comentários (geralmente bem maldosos, por vezes flertando com questões como machismo e gordofobia) do que necessariamente as notícias – que, afinal, estão todas ao alcance de um clique. É um formato semelhante, por exemplo, do A tarde é sua, da Rede TV!, em que a apresentadora Sonia Abrão se une a um grupo de “especialistas” em fofocas para que juntos teçam as análises mais diversas sobre aquilo que aconteceu no mundo das celebridades. Há, portanto, uma legitimação dessas pessoas pelos próprios programas, que são apresentados como grandes experts no assunto “vida dos famosos” e que merecem ser respeitados por isso (um exemplo deste recurso: um dos comentaristas do A casa é sua, Felipeh Campos, solta seus comentários em frente a um painel cheio de fotos dele mesmo).
– A graça de assistir ao Fofocalizando está justamente em sentar junto, ainda que metaforicamente, nessa mesa redonda da fofoca, cultuando e tirando sarro das celebridades junto de Décio Piccinini e o resto da trupe. Eles conseguem se apresentar como um grupo de amigos com quem nos sentimos à vontade para revelar os nossos podres, a partir das alfinetadas maldosas nas celebridades (totalmente diferente dos insossos apresentadores e repórteres do Vídeo Show, cujo carisma era baixíssimo).
– Além disso, os apresentadores falam de si mesmos o tempo todo, muitas vezes, num humor autodepreciativo que convence (lembro que Sophia Abrahão, do Vídeo Show, recorria sempre a uma “piada” de que nunca havia sido pedida em casamento, mas não havia graça ali pois lhe faltava o carisma). Em suma, o povo do SBT – justamente por parecer gente como a gente, e não pessoas intocáveis ou digital influencers defendidas por uma horda de fãs – gera uma empatia quase imediata.
– O Fofocalizando também guarda espaço para uns quadros estilo Vídeo Show, dando palco a estrelas do SBT, com quem pouca gente realmente se importa. No entanto, há muito menos matérias com o elenco da casa do que com as celebridades de maior cacife. Ainda assim, quando enfocadas, as estrelas do SBT são sempre meio engraçadas, como o elenco do apoio do Ratinho, apresentadores dos reality shows da casa,etc. A simplicidade (e mesmo tosquice) da “TV que tem torcida” faz com que o Fofocalizando pareça nunca se levar muito a sério (diferente, é claro, de como era o Vídeo Show).
– Para completar, a grande cereja do bolo: Fofocalizando conseguiu criar uma espécie de mundo particular da fofoca, com direito a intrigas, traições e redenção entre seus participantes. Frequentemente, os apresentadores entravam em atrito, numa trama que chegou mesmo a concretizar uma grande vilã: a polêmica Mara Maravilha, que se tornou desafeto dos seus colegas, o que culminou em sua saída do programa em agosto de 2018 (o quão real era esse conflito, não importa: sem ele, o programa perdeu um pouco da deliciosa tensão que o acometia). Posteriormente, o jornalista Léo Dias anunciou durante o Fofocalizando, entre lágrimas, que sairia por algumas semanas para internar-se numa clínica de reabilitação, no intuito de vencer o vício em cocaína. Curiosamente (ou não?), o anúncio de sua saída do programa bateu recorde de audiência, revelando que o envolvimento das personas pública e privada de Léo Dias foi um acerto.
Despretensioso e eficiente em sua proposta, um programa como Fofocalizando traz uma mensagem contundente à própria Globo, referência a todas as outras emissoras: nem sempre se levar a sério demais é bom negócio. Às vezes, falar mal dos concorrentes é suficiente para criar uma boa atração. No quesito “jornalismo de frivolidades”, Fofocalizando tem muito a ensinar à famosa Vênus Platinada.