Com as mudanças que a TV passou (e vem passando) ao longo dos anos, certos programas parecem não caber mais nas grades das emissoras, principalmente por não criarem empatia com o público – sim, não obterem números expressivos de audiência. Em partes, isso é causado pelo que sua dramaturgia representa, por outro lado há o fato de estarem desconectados das formas contemporâneas de contar uma história.
No contexto norte-americano, isso ocorre com maior frequência nos canais abertos, que frequentemente sofrem com crises nos números de audiência, levando a severos cancelamentos em massa de séries logo após sua primeira temporada. Ainda assim, não raro um programa força essa máxima e segue adiante, ainda que tudo em volta sinalize que há algo errado.
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Kevin Can Wait, série criada e produzida por Kevin James, humorista marcado por papeis em filmes de comédia pastelão ao longo das últimas duas décadas e, principalmente, pelo papel de Doug Heffernan, funcionário da empresa de entregas IPS e morador do Queens na sitcom The King of Queens, que marcou época na CBS com expressivos números de audiência em suas nove temporadas, é um dos programas que podemos facilmente enquadrar nesta análise.
Entre tantos problemas, Kevin Can Wait faz humor excessivamente datado. Não fosse o suficiente, há muitas características semelhantes entre ela e The King of Queens, e isso não no bom sentido da comparação. Kevin, o personagem de KCW, é uma caricatura de Doug. Policial recém-aposentado, ele é casado e viva as disputas cômicas de qualquer relacionamento, tal qual o protagonista de TKoQ; enquanto Doug vivia às turras com seu sogro, o irritante Arthur Spooner, Kevin precisa lidar com a filha e seu noivo, um rapaz excêntrico e diferente de tudo que ele esperava para sua primogênita; ambos os protagonistas vivem entre crises com o peso corporal, garrafas de cerveja que se acumulam e as mais terríveis trapalhadas.
Tudo isso teve um custo alto para o programa, a começar pelos índices de audiência bem abaixo do que se esperava, especialmente no caso de um ator que vivia entre 12 e 13 milhões de espectadores e média – a primeira temporada de Kevin Can Wait teve “módicos” 9 milhões de média. Tudo na série soa datado, antigo e repetitivo. Não por acaso, é chamada por muitas pessoas de continuação sem graça de The King of Queens. Ainda assim, a CBS apostou em dar uma segunda temporada à série. Mas a pergunta é: deveria?
Tudo na série soa datado, antigo e repetitivo. Não por acaso, é chamada por muitas pessoas de continuação sem graça de The King of Queens.
Os personagens têm sérios problemas de entrosamento, a começar pelo casamento de Kevin e e Donna (Erinn Hayes), que é forçado e pouco crível. A história do noivado da filha, que passa a ditar o ritmo da trama logo no início, convence pouquíssimo. Chale (Ryan Cartwright), o genro de Kevin, é muito mal construído e nenhuma de suas interações são interessantes. Some a isso uma sequência de diálogos pouco inspirados recheados com risadas da claque e você terá uma série que diz muito pouco ao humor moderno, justamente por transparecer ter zero interesse de ser moderna.
É inegável que alguns tipos de humor não se encaixam em todos os perfis de audiência, mas as seguidas ondas de cancelamentos de séries com semelhantes formas de humor deveriam servir de alerta às próprias emissoras. The Big Bang Theory ainda é uma das campeãs de audiência, mas não à toa seu spin-off, Young Sheldon, segue estrutura, estética e linha de atuação completamente diferentes.