É difícil pontuar outro assunto televisivo da semana passada que seja mais divertido que esse: o anúncio da contratação de Marcos Mion pela Rede Globo. Mion faz parte da “dança de cadeiras” engatilhada pela saída de Faustão e que gerou uma espécie de novela televisiva deliciosa. O capítulo mais recente, portanto, envolve a vinda do apresentador para a emissora, a princípio, para assumir o lugar de Luciano Huck (que vai para os domingos) no Caldeirão do Huck, aos sábados.
Este anúncio tornou-se um evento a partir da própria estratégia usada por Marcos Mion: ele passou a fazer várias postagens em suas redes em que se mostrava extremamente emocionado por essa contratação – pontuada tanto como uma vitória quanto um sonho. Com essa postura, Mion cativou muitos seguidores por aparecer como “gente como a gente”, ou seja, um sujeito quase deslumbrado e incrédulo pela oportunidade. Na sua “inauguração” na emissora (na sexta-feira, no Encontro com Fátima Bernardes), essa tônica do “não estou acreditando” foi fortalecida, com Fátima o recepcionando num refeitório e dizendo a ele que este é um lugar que ele passaria a frequentar.
Ainda há pouca certeza do que irá significar este movimento – tanto para a Globo, quanto para a própria carreira de Marcos Mion, que iniciou sua trajetória na MTV. Mas já bastante movimentação nas redes e análises sobre possíveis desdobramentos. O jornalista Ricardo Feltrin denominou essa contratação como o grande acerto da Globo nos últimos tempos. Já o crítico Chico Barney destacou o trânsito que Mion tem entre a TV aberta e as redes sociais, o que é um diferencial seu neste momento histórico em que as fronteiras entre os dois meios estão cada vez mais fluidas.
O grande diferencial de Marcos Mion, em minha visão, tem a ver com a capacidade que ele teve de desenvolver uma linguagem própria, desde o início de sua carreira. Quando falo linguagem, faço referência tanto à sua linguagem televisiva de forma metafórica quanto a literal – como seus jogos com as palavras, naquela linguagem do “Mionzeira”, “Fazendola”, etc. É quase como se ele criasse um universo próprio de referências, naturalmente, que os fãs poderiam compartilhar.
O grande diferencial de Marcos Mion, em minha visão, tem a ver com a capacidade que ele teve de desenvolver uma linguagem própria, desde o início de sua carreira.
Este universo particular se desdobrou num culto a coisas que eram consideradas de má qualidade, mas que poderiam ser muito divertidas. Foi esta a tônica por trás de um dos seus programas mais importantes, o Piores Clipes do Mundo, um formato original da MTV que criou uma estética própria: em frente a um chroma key tosco, Marcos Mion tirava sarro de boa partes dos clipes que circulavam na própria emissora.
O programa deu tão certo que ajudou a criar memes antes que eles existissem – como a musiquinha da Pamonha e a análise engraçadíssima em torno do clipe de “Mama África”, de Chico César. Vale lembrar, inclusive, que a atuação de Marcos Mion em Piores Clipes do Mundo conseguiu façanhas, como alavancar o cantor Supla à fama (na sequência, ele estrelaria o Casa dos Artistas, no SBT) e rende frutos até hoje para ele.
Posteriormente, Mion migrou para a Record, em 2009, onde passou a capitanear um programa de auditório, Legendários. O programa durou até 2017. Neste ano, ele apresenta o reality show A Casa, e em 2018, 2019 e 2020 esteve à frente, com grande sucesso, de A Fazenda. Parte do seu bom desempenho se deveu ao fato de ele realmente parecer abraçar a empreitada, sem encarar o reality show como uma tarefa menos importante. Seu entusiasmo e seu mergulho no universo no qual adentra parecem ser o mesmo desde quando ele analisava clipes ruins.
Em 2021, após supostos desentendimentos com Rodrigo Carelli, diretor de A Fazenda, Marcos Mion rescinde seu contrato com a Record depois de mais de uma década. Em agosto, chega então a notícia que muitos esperavam: a Globo resolveu bancar o seu talento e testá-lo dentro de suas atrações.
A chegada de Mion é, certamente, um grande investimento da Globo frente a pelo menos um público específico: os jovens, “essa raça em extinção na TV aberta”, conforme pontou Ricardo Feltrin. De fato, o futuro das grandes emissoras terá muita relação em como elas conseguirão (ou não) cativar as novas gerações, hoje, em boa parte das vezes, muito orgulhosas de nem terem aparelhos de TV.
Mas além de tudo, gostaria de pontuar que a ida de Mion, por mais apoteótica que seja, é a ponta de um iceberg de mudanças importantes que vem por aí. O que será de Faustão pós Domingão? Voltará a ser o Fausto old school do Perdidos na Noite? E Luciano Huck, que trocou a política pela TV de domingo, abrirá mão do caráter assistencialista do Caldeirão? Aguardemos cenas dos próximos capítulos.