Parece incrível para nós, os millenials, mas os anos 1990 já ocorreram há cerca de trinta anos. Não por acaso, a nostalgia já chegou até essa década, e conseguimos olhar para ela com o espanto de quem constata o quanto éramos ridículos.
Há uma leva de séries baseadas em acontecimentos reais que têm tematizado o que ocorria nesta época. Há as mais sisudas (como as temporadas de American Crime Story – The People vs O.J. Simpson, The Assassination of Gianni Versace e Impeachment). Mas há também as mais leves e divertidas – categoria em que coloco Pam & Tommy, produzida pelo Hulu e distribuída pela Star+.
Obviamente, o mote central da série é pesado: ela discute o fatídico episódio do vazamento da sex tape de Pamela Anderson e Tommy Lee em sua lua de mel. Pode-se dizer que hoje é relativamente comum que fitas com cenas de sexo de celebridades cheguem à internet.
Mas estamos pensando aqui em 1995, quando a world wide web mal engatinhava em seu uso doméstico, e milhões de pessoas puderam assistir em suas casas a imagens tórridas da intimidade de duas estrelas.
A grande graça de Pam & Tommy é que ela consegue justamente reconstituir o que foi o clima da década de 1990, em que o lifestyle desse invejado casal (ela, uma modelo/ atriz que estrelava a série Baywatch e se tornou uma sex symbol de proporções estratosféricas; ele, um músico da banda de rock farofa Mötley Crüe) era visto como o máximo que a vida poderia oferecer aos reles mortais.
Pamela e Tommy Lee, nesta época, eram reconhecidos como um casal lindo e ousado, propenso a viver la vida loca. Ela, especialmente, se tornou um padrão feminino insuperável. Sua figura – a de uma mulher magra, mas peituda, com cabelos muito descoloridos, e um ar doce e frágil, mas liberada sexualmente, à la Marilyn Monroe) causou inveja às mulheres e se tornou um parâmetro de desejo para os homens.
Por isso, as proporções que a história tomou – o quanto a carreira de Pamela foi afetada depois que a sex tape veio a público – deixam claro que década nenhuma foi fácil para as mulheres. No entanto, ainda que toda essa história carregue as cores trágicas do machismo, Pam & Tommy acerta ao também trazer uma certa leveza do humor e do deboche.
‘Pam & Tommy’: um triângulo (não) amoroso
Na verdade, poderíamos dizer que há três fios narrativos percorridos nos oito episódios de Pam & Tommy. Dois deles envolvem diretamente Pamela e Tommy Lee, e contam o começo do caso de amor entre os dois (eles se conheceram em uma boate e se casaram quatro dias depois, em Cancún) e o sequente desdobramento de sua história depois que acontece o vazamento da fita.
A cereja do bolo é o inusitado par formado por Pam e Tommy. A série tem camadas bastante interessantes que se estendem para além da relação regada a muito sexo entre os dois.
Mas talvez o eixo mais interessante envolva a explicação de por que esta fita veio a público. Tudo começa quando Tommy (encarnado com competência pelo ator romeno Sebastian Stan), recém-casado com Pamela (que é vivida de maneira muito impressionante pela atriz britânica Lily James – que usou próteses de seios e perucas descoloridas para o papel), resolve contratar um empreiteiro para reformar sua mansão. Sua ideia é torná-la em uma espécie de “ninho do amor” preparado para todo o tipo de modalidades sexuais.
Sua casa então passa a ser reformada por uma equipe em que um dos membros é o construtor Rand Gauthier (papel de Seth Rogen), um sujeito meio loser que transita entre o trabalho braçal, a atuação em filmes pornográficos e uma dedicação diletante à teologia. Quando ele toma um golpe de Tommy Lee, Gauthier elabora um plano para se vingar. Daí surge o rapto involuntário de uma fita que se tornou mundialmente conhecida.
Como disse, há muitas camadas de humor envolvidas nesta trama. Os personagens que transitam em torno de Rand Gauthier também tecem um cenário tão obscuro quanto cômico. Em especial, vale prestar atenção na “caçada” do construtor, ao lado de um produtor de filmes pornô (interpretado por Nick Offerman, de Parks and Recreation), ao buscar um financiador para poder produzir cópias da fita. A grande virada da sex tape se dá justamente pela coincidência do rapto com a nova tecnologia que então surgia, possibilitando que qualquer coisa fosse comercializada sem ter sua origem rastreada.
Sexo e muito rock and roll farofa
Mas, de fato, a cereja do bolo é o inusitado par formado por Pam e Tommy. A série tem camadas bastante interessantes que se estendem para além da relação regada a muito sexo entre os dois. Uma delas nos mostra a gradativa perda do “poderio” do estilo musical preconizado pelo Mötley Crüe (assim como outras bandas da mesma época, como Guns n’Roses e Skid Row) pela chegada do grunge, com uma filosofia completamente distante da lascívia de Tommy Lee e seus asseclas.
O músico claramente se sente no topo do mundo. É um milionário, todo tatuado e sempre vestido com uma tanga fio dental, que mora em uma mansão gigantesca em Malibu e tem no currículo de conquistas as mulheres mais desejadas de sua época. Quando ele vê à sua frente a mulher mais cobiçada de todas, seu alarme interno toca e ele não consegue pensar em mais nada.
Só que Pam é muito mais delicada do que sua aparência gostosona dá a entender. Quando ela e Tommy estão juntos, seus perfis são relativamente diferentes. Ela tem o sonho de ter filhos; já ele mantém diálogos com seu próprio pênis, que opera como uma espécie de alter ego bastante hilário.
Mas assim como na vida real, a estrela é sempre Pamela Anderson. Para além de uma bombshell, vemos uma modelo e atriz que busca algum reconhecimento para além da exibição do próprio corpo – com o qual construiu uma carreira, mas que não quer que seja o seu atributo principal. Preste atenção sobretudo em uma cena genial em que Pam desenvolve um raciocínio de por que Jane Fonda é seu grande modelo como artista.
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