Encerrada pelo serviço de streaming de Amazon Prime, a deliciosa Mozart in the jungle nos entrega uma temporada de despedida que nos convence que esta é uma série que fará falta. Delicada, com um humor muito sutil, o seriado trouxe à televisão um mergulho no universo da música clássica, a partir da realidade da Orquestra Filarmônica de Nova York, retratada pela visão da oboísta Hailey (vivida por Lola Kirke, de Mistress America), a protagonista da história ao lado do maestro Rodrigo (o ator mexicano Gael Garcia Bernal).
A quarta e última temporada promete um desfecho à tensão sexual e afetiva entre Hailey e Rodrigo, que permeou toda a narrativa de forma relativamente frustrada – em parte, pela construção algo caricata do personagem Rodrigo, um músico genial, mas um tanto desmiolado, totalmente desconectado das convenções sociais.Ao longo das três temporadas, Rodrigo causou apenas dores de cabeça: envolveu-se com várias mulheres de modo fugaz (na temporada anterior, fez par com Monica Bellucci) e trouxe problemas diversos à sua chefe, Gloria (Bernadette Peters, com atuação sempre divertida), a gerente da orquestra.
Divertida e poética, Mozart in the jungle se despede de forma melancólica, mas com uma forte impressão de que durou o tempo que deveria durar sem que a história se desgastasse.
Seria preciso, então, desenrolar as suas duas tramas centrais: o romance sempre encrencado com Hailey e a relação sempre conturbada com a orquestra e seu funcionamento. De fato, a quarta temporada centra-se num Rodrigo que enfrenta um grande conflito pessoal. Ele está, sem dúvida, perdido, e não sabe o que fazer consigo mesmo.
A virada de sua personagem, no entanto, manifesta-se poeticamente a partir da música: Rodrigo está em crise pois parou de falar com o “fantasma” de Mozart, e teme ter perdido sua arte, o que abala todo o resto de sua vida. Enquanto enfrenta seus dramas afetivos, ele sofre pela ausência de sua “musa”, o que põe em crise a crença em sua arte (preste atenção nas saídas cômicas encontradas pela narrativa: ao procurar desesperadamente o fantasma de Mozart, Rodrigo acaba se conectando com o fantasma de Liberace, o popularíssimo pianista americano. Seria como se, ao invocar Tom Jobim, acabasse cruzando com Reginaldo Rossi).
Ainda que a temporada comece estranha, com a concretização do romance de Hailey e Rodrigo (a tensão sexual entre o casal ocorre desde a primeira temporada, mas eles apenas começam a namorar nesta última), ela logo começa a empolgar e ir além das superfícies, recusando-se a trazer um desfecho “felizes para sempre” ao par romântico da série.
E é a partir daí, e ao focar no desenvolvimento de Hailey, que esta temporada passa a se tornar mais interessante: a oboísta está em busca de sua própria voz, de uma conexão com seu verdadeiro talento, o que envolve sair da sombra de Rodrigo, que é uma estrela, e do jugo dos próprios pais (que não haviam sido retratados até aqui). Hailey consolida aos poucos seu caminho como maestra, afastando-se de sua carreira com o oboé, construída a partir da pressão do seu pai. Há, portanto, um amadurecimento evidente na personagem, por meio da abordagem de sua dinâmica familiar e, mais importante ainda, de seu afastamento profissional de Rodrigo – por quem foi “adotada” como uma espécie de assistente/ afilhada desde a primeira temporada.
Se na temporada anterior os personagens se deslocaram para Veneza, no desfecho de Mozart in the Jungle, eles vão parar no Japão, em razão de uma competição entre maestros enfrentada por Hailey. Fiel ao seu propósito inicial de sempre manter a música clássica como fio condutor, aqui discute-se questões bastante relevantes, como a inserção de tecnologia na arte (um robô é “contratado” para finalizar o “Réquiem em ré menor”, composição de Mozart inconclusa em razão de sua morte) e a importância das mulheres em ambientes e profissões tidas como masculinas (o ambiente da música, assim como tantos outros, insinua um machismo sempre velado). A viagem ao Japão possibilita ainda belíssimos episódios (preste atenção ao que se centraliza em uma cerimônia do chá) e tiradas bastante divertidas, com direito a uma ida dos músicos ao tradicional karaokê japonês.
Divertida e poética, Mozart in the jungle se despede de forma melancólica, mas com uma forte impressão de que durou o tempo que deveria durar sem que a história se desgastasse. Permanece, então, como uma pequena pérola reservada aos amantes da música no catálogo do Amazon Prime.