No ano passado, Mr. Robot tornou-se uma das série mais comentadas da temporada (leia crítica sobre a primeira temporada), perdendo apenas para o fenômeno Game of Thrones. Com um roteiro bastante complexo, nervoso e tenso, a produção apresentou ao público um thriller inverosímel até certo ponto, mas que dialogava muito com a sociedade atual. Na próxima premiação do Emmy 2016, em setembro, Mr. Robot é uma das favoritas para levar para casa os prêmios principais da noite. No último fim de semana, o Television Critics Association Awards 2016 a consagrou como a melhor nova série. Assim, a segunda temporada – com cinco episódios exibidos até o momento – foi bastante esperada, já que o primeiro ano terminou com diversas pontas soltas.
Para quem não conhece a história, na série criada por Sam Esmail nós acompanhamos Elliot (Rami Malek), um jovem e inteligente programador que sofre de uma desordem mental que o torna antissocial. Acreditando que a única forma de se conectar com as pessoas é hackeando suas vidas, ele alia seus conhecimentos a uma empresa de segurança on-line. Essa empresa é responsável por proteger a rede de uma das corporações mais perversas dos EUA, a Evil Corp. Suas atividades chamam a atenção de Mr. Robot (Christian Slater), um misterioso anarquista que convida o jovem a fazer parte de uma organização, chamada Fsociety, que atua na ilegalidade com o objetivo de derrubar as corporações americanas, especialmente a Evil Corp, responsável por prejudicar a vida de milhares de norte-americanos.
Entre a empresa e a organização secreta, Elliot precisa decidir quem ele realmente quer ser: um cara normal, vivendo como todos nós, com seus iPhones e alienação seletiva, ou alguém que fará de tudo para derrubar uma das empresas capitalistas mais corruptas do mundo.
Enquanto o protagonista vai sentindo seu estado mental ir pelo ralo, o público enlouquece junto com o personagem.
Com todo o cuidado para não apressar a história, ao mesmo tempo em que choca a audiência com reviravoltas impressionantes, Mr. Robot inicia o segundo ano com calma, deixando seu protagonista ainda mais complexo e interessante. Após Elliot e sua equipe hackearem todo o sistema da Evil Corp e causarem um colapso na economia mundial (caixas eletrônicos não funcionam, os bancos não conseguem cobrar as dívidas dos cidadãos, então é como se os débitos não existissem), Elliot está vivendo com a mãe, fazendo terapia e tentando levar uma vida rigidamente normal. Ele não tem computador em casa, muito menos uma conexão com a internet, e registra todos os passos em um diário. Tudo isso para não deixar que seu alter ego (ou alucinação) Mr. Robot apareça e tome conta de suas atitudes.
Além disso, nem o público nem Elliot têm a menor ideia do que aconteceu quando Tyrell (Martin Wollström) entrou no apartamento de Elliot no fim da primeira temporada, mas sabemos que Tyrell levou os créditos pelo grande ataque. Ainda, em flashbacks, pouco a pouco vamos entendendo como a Fsociety foi formada e como Elliot foi perdendo a noção da realidade até o presente momento.

Há diversas coisas em Mr. Robot que fazem dela uma das séries mais interessantes dessa nova safra de produções. Uma delas, sem dúvida, é a qualidade de sua montagem e o enquadramento de câmera. Em Mr. Robot, temos personagens olhando para fora do enquadramento, mesmo que eles estejam frente a frente. Na maioria das vezes, porém, esses personagens estão quase fora do plano, sempre no canto das cenas, à margem, deslocados não apenas da câmera, mas de todo o modus operandi das relações humanas. Outro recurso usado de forma muito interessante é a forma como os créditos iniciais são mostrados na tela, sempre de forma grandiosa, parecendo o início de um grande filme. Quando começamos a entender que todo o estilo visual da série é complementar à sua narrativa, a história ganha ainda mais impacto.
Mas o que faz de Mr. Robot uma série tão boa é a construção de uma atmosfera sufocante e aterrorizante. Em todos os episódios os personagens aparecem pálidos, cansados, estressados, paranoicos, em uma Nova York conectada e cheia de luz, mas fria, suja e cinza. Tudo isso deixa o público vidrado na tela, porque é estranho, confuso e suspeito. Essas construções de cena conseguem fazer algo raro: é possível identificar a série através de qualquer cena individual, tamanha originalidade vista na tela, uma linguagem visual única na televisão atual.

E se o começo do segundo ano apresenta algumas (poucas) respostas sobre o que aconteceu na primeira temporada, Mr. Robot ainda encanta por ser uma série extremamente confusa, no bom sentido. É difícil seguir os pensamentos de Elliot, é complicado entender o a que a Fsociety está fazendo, alguns personagens não parecem reais e o enredo vai se enrolando ainda mais, em uma narrativa extremamente elaborada. Entretanto, ao invés de espantar o público, tudo isso deixa a história ainda mais instigante, porque, afinal, a série se passa dentro da cabeça de Elliot. Enquanto o protagonista vai sentindo seu estado mental ir pelo ralo, o público enlouquece junto com o personagem.
Além de Elliot, os personagens secundários continuam interessantes e ganham muito mais espaço. Enquanto o protagonista luta para viver uma vida normal e se livrar da alucinação de Mr. Robot, sua irmã Darlene (Carly Chaikin) está tentando levar o plano de destruir a Evil Corp para frente, mas uma pesada investigação do FBI, liderada por Dominique Dipierro (Grace Gummer), pode complicar ainda mais a vida da Fsociety. E quem ganha ainda mais destaque, depois de ter sido tratada com ingênua no primeiro ano, é Angela Moss (Portia Doubleday). Depois de ter preparado todo um plano para processar a Evil Corp pela morte de sua mãe, a garota, por motivos não muito claros, aceita um emprego na empresa. Aos poucos, ela vai se tornando uma defensora da corporação quando percebe o gordo salário, o bom apartamento no qual mora e seu importante trabalho como relações públicas. Entretanto, logo começa a perceber, também, que tudo tem um preço.
Mr. Robot, então, acerta ao utilizar um roteiro brilhante e juntar ação, suspense, tensão e uma boa dose de reflexão, tudo isso com atuações dignas de prêmios, especialmente a de Rami Malek, que está mais inspirado e à vontade este ano. Na segunda temporada, Elliot continua refletindo sobre o niilismo, sobre quem somos e o que estamos fazendo no mundo, o que deixa o personagem ainda mais inquieto. Assim, Mr. Robot prende a atenção porque há uma séria identificação com aqueles personagens, por mais loucos e psicopatas que pareçam ser.
Em umas das sessões de terapia com Krista (Gloria Reuben), a terapeuta alerta Elliot para que ele não fuja dos problemas e muito menos aniquile Mr. Robot de seu subconsciente, já que ele é uma parte importante de sua vida. A análise de Elliot, então, é uma grande problematização que nos atinge em cheio e terminamos o episódio com a sensação de que a série vai muito além do mero entretenimento. Para Elliot, a aniquilação é sempre a resposta para tudo, porque nós destruímos partes de nós mesmos todos os dias. Corrigimos nossos defeitos com Photoshop, editamos as partes que odiamos em nós mesmos, modificamos as partes que pensamos que as pessoas odeiam e “curamos” a nossa identidade.
A aniquilação é tudo que somos.