Em meio a uma calorenta tarde de domingo, com aquele gosto modorrento que só esse dia da semana consegue ter, um fenômeno – talvez de dimensões históricas, algo que só saberemos daqui a alguns anos – se prenunciou nos meios de comunicação. Faço menção à (não) transmissão do clássico paranaense Atletiba, o jogo entre os times Atlético Paranaense e Coritiba, que aconteceria, pela primeira vez, em condições insólitas: os clubes não aceitaram o acordo financeiro ofertado pela Rede Globo e sua afiliada, RPC. Assim, recusaram-se a vender os diretos de transmissão do jogo, e optaram por fazer uma transmissão independente via YouTube, por meio de jornalistas e repórteres contratados de forma autônoma.
Ou seja: os times paranaenses uniram-se para reivindicar a quebra de uma espécie de “monopólio” mantido até então pelas grandes empresas de comunicação, as quais teriam quase que um direito nato de transmitir este esporte que é a “grande paixão nacional”. Sendo assim, o jogo abriria mão desta máquina televisiva – e do alcance que ela tem – para investir nas mídias independentes, representadas aqui pelo streaming da internet. Um passo ousado, portanto.
O resultado? A Federação Paranaense de Futebol (FPF) impediu que o jogo fosse transmitido on-line e os árbitros de apitarem o jogo. O argumento oficial foi de que a equipe contratada para a transmissão não era cadastrada pela FPF. O jogo só poderia ocorrer caso não fosse transmitido on-line – e os times, corajosamente, optaram por cancelá-lo, mesmo com o estádio cheio de torcedores de ambos os lados.
Mas talvez o mais interessante deste episódio esteja no fato de que tudo pode ser acompanhado em tempo real, por aqueles que estavam ao vivo nos canais oficiais dos clubes no YouTube. Ou seja, pudemos assistir, com razoável transparência, a tudo que ocorria neste embate histórico entre velhas mídias (as emissoras tradicionais de televisão e as instituições reguladoras do esporte, como a FPF, por meio de seus velhos acordos) e novas mídias (representadas pela emissão direta da internet, quebrando os moldes convencionais da transmissão do esporte).
A não-transmissão do Atletiba configurou um momento interessantíssimo para vermos, in loco, a dificuldade que as instituições tradicionais (dentre elas, enquadram-se as mídias) ainda enfrentam para lidar com as mudanças, sempre inevitáveis.
Como todo episódio novo da história da comunicação, houve muita trapalhada, especialmente no que diz respeito à falta de perspicácia das instituições mais antigas para lidar com o embate. A proibição da FPF da emissão on-line, ao que parece, revela um profundo desconhecimento do seu público: prefere manter as velhas relações com as emissoras televisivas, muito embora os dirigentes do clube tenham dito o tempo todo, na transmissão no YouTube, que a Rede Globo e a RPC (a retransmissora paranaense) ofereceram “esmola” e “uma merreca” pelo jogo. Ou seja, para quem abriu a mão da TV e acompanhou na internet, os conflitos ficaram razoavelmente claros.
Para quem acompanhava o caso na “segunda tela” (ou seja, nos dispositivos portáteis que hoje dividem espaço quando assistimos à televisão), ficou nítida a posição de boa parte da audiência: as pessoas massivamente elogiaram as ações dos clubes, da mesma forma que o fizeram os jornalistas não vinculados às empresas envolvidas na questão. Tão intrigante quanto assistir à transmissão on-line (ao menos até o momento em que ela ocorreu) foi ver como os veículos tradicionais lidaram com tudo isso: na RPC TV, que transmitia o jogo entre Paraná Clube e PSTC, o locutor foi breve e deu uma explicação simplória e redutora, de que “os times não aceitaram a negociação para a transmissão do jogo”, evitando abordar qualquer nuance do conflito (sugere, me parece, um certo corporativismo e um medo iminente de se comprometer ao falar demais).
Em alguma medida, a não-transmissão do Atletiba configurou um momento interessantíssimo para vermos, in loco, a dificuldade que as instituições tradicionais (dentre elas, enquadram-se as mídias) ainda enfrentam para lidar com as mudanças, sempre inevitáveis. A ação promovida pela FPF, ao bater o pé frente à transmissão on-line, revela um profundo desconhecimento da audiência, hoje bem mais propensa a desacreditar do poder estabelecido. Estamos hoje muito mais dispostos a criticar as instituições estabelecidas do que a defendê-las (vejamos, por exemplo, o descrédito geral com a política e com os modelos tradicionais de negócio, como a briga entre táxi x Uber).
Há outra crise, portanto, que se prenuncia aqui: o que hoje muitos autores defendem como a chamada fase pós-industrial do jornalismo, conceito estabelecido em um muito debatido dossiê publicado por pesquisadores da Universidade de Columbia. Em resumo, o conceito esclarece que hoje vivenciamos um cenário de mudanças em que cada vez faz menos sentido pensar que o jornalismo é constituído exclusivamente pelas indústrias convencionais de comunicação, tal como as grandes emissoras, pois elas gradativamente dividem mais espaços com instituições menores e menos tradicionais (por isso mesmo, pós-industriais).
Ou seja, a atitude de simplesmente proibir a transmissão independente com base em brechas legais vai contra a maré: é a tentativa desesperada de usar as velhas ferramentas de poder para brecar as mudanças. Enxugar gelo, enfim. Que este episódio do Atletiba seja apenas um dos primeiros rumo a caminhos mais autônomos e democráticos de acesso à informação.