A cobertura de grandes tragédias configura a “nata” do jornalismo de televisão, uma vez que é nesse tipo de ocasião (eventos inesperados, de grande impacto social, carregados do sentido de urgência) que a TV mostra suas maiores habilidades: a de informar ao vivo, em primeira mão, suprindo as primeiras necessidades de respostas que serão futuramente desdobradas de forma mais completa por outros veículos. A transmissão direta, como já comentei anteriormente nesta coluna, é uma espécie de fetiche irresistível à televisão, pois só assim ela consegue expressar sua verdadeira vocação: a de parecer trazer o mundo à tela no exato momento em que os fatos acontecem.
Isto posto, talvez seja possível dizer que é neste tipo de notícia (as tragédias ao vivo) que ainda assenta a importância da cobertura televisiva. No já longínquo 11 de setembro de 2001, as pessoas ligaram imediatamente suas TVs para poderem acreditar que os prédios haviam caído em Nova York; dezoito anos depois, os brasileiros também correram para o aparelho no intuito de saber alguma coisa sobre um massacre ocorrido no interior de São Paulo, mais especificamente em Suzano, quando adolescentes e adultos foram brutalmente feridos e assassinados dentro do colégio estadual Raul Brasil. E, é claro, as emissoras todas tiveram que mandar suas equipes para reportar, in loco e ao vivo, aquilo que parece fugir de todo tipo de compreensão.
O mais urgente, no entanto, é lidar com aquilo que ninguém parece ter resposta: qual o efeito de noticiar nacionalmente tais tragédias que, de alguma maneira, foram orquestradas justamente para que chegassem às mídias?
Entretanto, é preciso também constatar que a cobertura do “ao vivo” é, inevitavelmente, pulsante e cheia de falhas. De alguma forma, é como se as emissoras estivessem ali enfrentando testes para os quais se prepararam durante anos: os editores precisam escolher rapidamente quais imagens irão passar, os cinegrafistas, o que e como vão filmar, os repórteres, com quem irão falar e o que irão perguntar. Tudo é regido pelo tempo – elemento indissociável da televisão e do próprio jornalismo.
Não por acaso, a cobertura do massacre de Suzano, ocorrido na semana passada, tem sido comentadíssima (ousaria dizer que a cobertura do fato parece tão ou mais comentada que o fato em si). Boas análises já apontaram que os excessos talvez sejam mais lembrados do que os acertos, por razões óbvias. Os piores erros – especialmente o do repórter da Band que, desprovido de qualquer senso de ética, entrevista a mãe de um dos assassinos e a força a dar uma resposta que assuma culpa – foram prontamente execrados pela opinião pública, que denunciou, sem titubear, que se trata de mau jornalismo feito pela emissora. Isto é, sem dúvida, um ponto muito positivo.
De modo geral, a cobertura feita até o momento me pareceu equilibrada dentro daquilo que é esperado: bom senso nos telejornais tidos como padrão, que paralisaram suas atividades naquele dia para relatar os desdobramentos do fato, e muito sensacionalismo dos programas policiais como o Brasil Urgente, que exibiram imagens violentas sem pudor (fica a reflexão: em tempo de onipresença de WhatsApp, qual o peso que tem a decisão da televisão não exibir ao espectador uma imagem que chegará a ele por outros meios?).
Penso que o principal acerto das emissoras tem sido, justamente, a tentativa de dar corpo e cara à tragédia. Para começar, o fato da contagem de mortos feita pelos veículos incluir sempre os assassinos, o que ajuda a não menosprezar o sofrimento das famílias também de Guilherme Taucci e Luiz Henrique de Castro (movimento oposto foi feito pela cobertura norte-americana do massacre de Columbine, em 1999: a imprensa não contava os assassinos, Eric Harris e Dylan Klebold, entre os mortos). Isto também tem sido feito quanto às vítimas deles, que têm rosto, nome e história constantemente repetidos pelos veículos de comunicação.
O mais urgente, no entanto, é lidar com a pergunta para a qual ninguém parece ter resposta: qual o efeito de noticiar nacionalmente tais tragédias que, de alguma maneira, foram orquestradas justamente para que chegassem às mídias? O que se vê é um profundo desconhecimento de uma subcultura na qual esses rapazes se inseriam e, por isso mesmo, uma total incompetência em prever possíveis resultados desse tipo cobertura – seja encorajar novos acontecimentos semelhantes, seja instalar um sentimento de paranoia exagerado. Em suma, a televisão já andou muito e aperfeiçoou seu modus operandi para falar de tragédias, mas ainda há muita estrada a percorrer.