O Tempo Não Para, nova novela das sete, é um sucesso de audiência. E toda essa repercussão não é à toa. Quando a novela estreou, comentei nessa coluna que a trama era divertida, ágil e original. Além disso, a direção e a produção são primorosas e o elenco foi muito bem escalado, mostrando ótimas interpretações. Porém, o que realmente torna a novela gostosa de assistir é o excelente texto do autor Mário Teixeira.
O enredo é provocativo, colocado de forma hábil e inteligente, e não menospreza ou subestima o público. O mais interessante são as críticas sociais sutis presentes na trama. Os congelados, em um misto de inocência e incredulidade, são os melhores críticos da sociedade atual. E é por meio da admiração deles com esse novo tempo que o roteiro nos faz refletir sobre as desigualdades que, às vezes, mal percebemos no dia a dia. Vindos de outro século, eles percebem que muita coisa mudou e outras só pioraram.
Com sutileza, sem didatismo e pieguices, a novela exemplifica claramente a responsabilidade contemporânea com a história do negro no Brasil, sem cair nas explicações rasteiras.
Ao mesmo tempo em que os integrantes da família Sabino Machado se encantam com o chuveiro, o vaso sanitário, o secador, a televisão e o micro-ondas, também se deparam com as mesmas distâncias sociais do século 19, só que, agora, em um novo contexto. É nas entrelinhas que o autor pincela e levanta naturalmente reflexões sobre a sociedade, principalmente sobre as mazelas raciais.
Um dos casos mais emblemáticos foi a percepção de Dom Sabino (Edson Celulari) a respeito da abolição da escravatura. No capítulo do dia 21 de agosto, aconteceu o reencontro da família Sabino com dois de seus antigos escravos: Menelau (David Júnior) e Cesária (Olívia Araújo). Enquanto eles insistiam nos gestos servis, foram avisados de que agora são libertos e serão tratados como iguais por todos.
Marocas (Juliana Paiva) conta sobre brancos que vivem com negros em favelas, de negros que comandam brancos e de mulheres negras que comandam homens brancos. No entanto, o patriarca da família questionou a condição do negro na atualidade.
Ele não compreende o porquê do seu bom e nobre amigo Eliseu (Milton Gonçalves) precisar puxar uma carroça de lixo reciclável para sobreviver. Para o magnata do século 19, é um absurdo que um homem tenha de “servir como animal de tração, como se fosse um cavalo ou um boi”. “Ninguém pensou no destino dos libertos. Tudo mudou para continuar a mesma coisa. Que abolição é esta?”, constatou ele, sabiamente. “Nunca um escravo meu cumpriu um papel tão indigno!”.
No capítulo deste sábado (dia 8 de setembro), outros dois dos antigos escravos despertaram: Damásia e Cecílio (Aline Dias e Maicon Rodrigues). No capítulo, foi falado sobre as condições de ambos como escravos no século XIX (veja aqui). Além disso, eles não aceitaram muito bem a ideia da abolição e questionaram suas condições dentro da família (veja as cenas aqui e aqui).
Com sutileza, sem didatismo e pieguices, a novela exemplifica claramente a responsabilidade contemporânea com a história do negro no Brasil, sem cair nas explicações rasteiras. Sem contar nos outros assuntos abordados, como política e educação, que ficam para um próximo texto. Tudo flui e a compreensão vem naturalmente. A cada dia os conflitos ganham corpo e credibilidade. É admirável que o autor consiga extrair tanto fôlego dessa premissa, tornando o enredo cada vez mais relevante e interessante.