Uma mulher em depressão, enfrentando problemas com álcool e perturbada pelo seu passado, precisa enfrentar sua família e seus fantasmas na sua cidadezinha natal. Andamos vendo bastante esse argumento ultimamente (ainda bem). Quando o clichê é trabalhado de forma inteligente, esses enredos ganham uma roupagem interessante. É o caso de Objetos Cortantes, minissérie da HBO baseada no livro homônimo de Gillian Flynn (Garota Exemplar), seu primeiro romance.
Desenvolvido para a TV por Martin Nixon (Buffy, a Caça-Vampiros), Objetos Cortantes conta a história de Camille Preaker (Amy Adams), uma repórter que volta à fictícia Wind Gap, cidadezinha no Missouri, para cobrir os assassinatos de duas garotas adolescentes. A cidade foi onde Camille viveu momentos difíceis com sua mãe possessiva, Adora (Patricia Clarkson), e onde viveu um luto traumático com a morte de sua irmã mais nova, Marian (Lulu Wilson). Agora, Camille precisa enfrentar novamente sua mãe e interagir com sua meia-irmã, Amma (Eliza Scanlen).
Todos os episódios são dirigidos por Jean-Marc Vallée, o mesmo de Big Little Lies, outra ótima produção da HBO. É possível identificar a assinatura de Vallée logo nos primeiros segundos. Com cortes secos, rápidos e montagens que quebram a narrativa em vários fragmentos, o estilo cinematográfico serve para mostrar a memória e o trauma das personagens. Dá a impressão de que a estilização serve mais como licença estética do que propriamente para acrescentar algo novo à narrativa, mas Vallée trabalha de forma com que tudo dentro da cena importe. Assim, se esses cortes não necessariamente empurram a história para frente, servem para compor as personagens.
Amy Adams é a grande responsável pelo sucesso da série, já que segura a história mesmo em seus momentos mais repetitivos.
Wind Gap acaba sendo uma grande metáfora e análise de pequenas cidades dos EUA. Sem nada para fazer, em um ambiente quente e sufocante, personagens femininas fofocam, personagens masculinos trabalham e crianças e adolescentes andam de patins e tentam sair daquele lugar, seja por meio das drogas ou de festas. A todo momento, a cidade lembra aos moradores que eles andam em círculos (os ventiladores, girando sempre lentamente, acabam sendo uma metáfora bastante curiosa). Para Camille, a tortura é ainda maior. Obrigada a enxergar no olhar daqueles moradores palavras que cortam bem mais do que seus próprios cortes na pele, Camille dirige, bebe e chora no desespero de tentar fugir não apenas daquele ambiente, mas de toda sua história.

Amy Adams entrega uma Camille tão ou mais incrível do que a personagem do livro. Com uma atuação impressionante, a atriz não poupa esforços para passar ao público o trauma de Camille. Por meio de uma linguagem corporal que nos dá sempre a sensação de cansaço, sujeira e uma tristeza imensa, Amy Adams é a grande responsável pelo sucesso da série, já que segura a história mesmo em seus momentos mais repetitivos.
Com personagens femininas fortes e um clima gótico e angustiante, Objetos Cortantes consegue transpor o mesmo clima assustador descrito no livro e é mais uma ótima produção liderada por mulheres. A revelação do mistério é interessante e só é feita no último segundo do último episódio (além de breves cenas durante os créditos), mas a série impacta mesmo nos detalhes, quando percebemos o quão sombrio podemos nos tornar em meio à repressão e escuridão.