Uma notícia repercutiu no campo do entretenimento na última semana: durante o Mais Você, a apresentadora Ana Maria Braga anunciou que o reality show No Limite, que estreia em abril (após o fim do BBB 22), terá um novo apresentador. O cargo passará a ser de responsabilidade do atleta Fernando Fernandes – que, inclusive, tornou-se famoso após ter participado do BBB 2, em 2002.
A novidade foi bastante celebrada nas redes sociais especialmente por uma razão: Fernando é cadeirante. Ele perdeu o movimento das pernas em um acidente de carro sofrido em 2009. Por isso, a repercussão vai além do nome do apresentador em si, mas pelo fato de que ele representa uma camada da população (8% dos brasileiros têm alguma deficiência) que ainda é excluída de muitos lugares – geográficos e simbólicos.
O primeiro sinal de que estamos caminhando para um novo momento, em que talvez este tipo de notícia não precise mais ser celebrada, está no fato de que, no breve anúncio feito por Ana Maria Braga, não houve menção à sua deficiência. Em vídeo exibido no Mais Você, Fernando Fernandes declarou: “estar à frente de um programa que sempre fui fã, logo eu que fui vivendo a beira do limite, ultrapassando o limite. Se preparem que vem um No Limite mais radical e intenso, até porque quem vai estar puxando sou eu”.
Ao se acidentar, em 2009, é como Fernando Fernandes tivesse virado uma chave. Como se o sujeito sem limites (numa espécie de prenúncio de seu futuro profissional?) tivesse que aprender na marra os limites a partir de seu próprio corpo.
O discurso é condizente com a persona pública que Fernando Fernandes constrói desde que se tornou famoso (ao entrar no BBB, ele era boxeador e modelo) e que se sedimentou após a ocorrência de seu acidente. Sua história, ou pelo menos a forma pela qual é narrada, segue todos os passos de uma chamada jornada de superação. Fernando era conhecido como um bon vivant, um playboy cheio de marra. No BBB, por exemplo, seu maior feito foi o envolvimento em uma briga meio cômica com a participante Tina (a que gerou a cena icônica em que ela atravessa a casa batendo numa panela). Fora do programa, o noticiário em que ele “estrelava” era sempre negativo, como acusações de racismo e outras confusões.
Ao se acidentar, em 2009, é como ele tivesse virado uma chave. Como se o sujeito sem limites (numa espécie de prenúncio de seu futuro profissional?) tivesse que aprender na marra os limites a partir de seu próprio corpo. Após se tornar PcD, Fernando seguiu investindo no esporte e se tornou tetracampeão mundial de paracanoagem.
Por que a notícia é importante?
Ainda que a mensagem de “superação” na contratação de um paratleta campeão, creio eu, não seja exatamente um serviço às pessoas (e não só às PcDs) – pois a mensagem subentendida é que todas as pessoas que não “se superam” estão aquém do esperado – há sim aqui uma ótima notícia, que merece todas as palmas. Isto porque, até hoje, pessoas com deficiência estão invariavelmente excluídas desse espaço midiático. É difícil lembrar de algum apresentador cadeirante, e mesmo os repórteres de TV são raros. A mais conhecida é a repórter Flávia Cintra, do Fantástico.
Além disso, não se pode desconsiderar que não é a apresentação de qualquer programa, mas de uma competição esportiva que ocorre em um lugar de condições adversas, em uma praia (ou seja, no solo instável da areia) e enfrentando calor incômodo. Isto é importante justamente porque se pressupõe entender que não é preciso fazer diferença com outros apresentadores, ou mesmo julgar que um cadeirante não esteja apto para enfrentar a situação.
Desta forma, No Limite já traz uma atração inicial que talvez seja ainda mais interessante que a própria competição, que é o de valorizar e dar a oportunidade a um novo nome de host de programa que vai além daquele círculo repetitivo de nomes da Globo, como André Marques (o antecessor de No Limite 2021, muito criticado pela sua falta de entusiasmo na apresentação), Tiago Leifert, Fernanda Gentil, Marcos Mion e outros nomes conhecidos.
A julgar pelos primeiros vídeos que circulam nas redes, Fernando Fernandes parece bastante articulado e carismático, e dá pistas de estar bem preparado para emplacar seu nome dentro deste mercado de apresentadores. Se colaborar para que o fato de que pessoas com deficiência não tenham mais que ser celebradas quando atingem postos altos como esse, já terá feito um serviço enorme não apenas à sua comunidade, mas a todo o país.
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