Seguindo o sucesso da série médica Sob Pressão, a Rede Globo resolveu investir em outro produto com o mesmo toque de realismo. Sai o drama de um hospital público e entra as dificuldades de um colégio de ensino noturno para jovens e adultos, incluindo pessoas acima dos 60 anos. Criada e escrita por Carla Faour e Julia Spadaccini, a série pretende mostrar um Brasil que só é lembrado quando o objetivo é explorar histórias tristes.
Segunda Chamada, embora pese a mão no melodrama em seus dois primeiros episódios, quer fazer o público sentir. Para isso, os personagens são pensados e caracterizados com respeito para representarem a mais pura realidade do país. Os acertos começam com a própria proposta da série ao abordar o ensino noturno, um recorte específico e praticamente ignorado ou subjugado não somente em produções na televisão, mas na vida.
Em coprodução com a O2 filmes, Segunda Chamada mostra a luta de cinco profissionais da educação, que resistem à péssima infraestrutura da escola e ao abandono institucional. Quem mais se envolve nessa luta é Lúcia (Débora Bloch), professora de Português que volta a dar aulas depois de três anos de suspensão por algo que ocorreu dentro da escola, mas que pouco sabemos até o momento. Lúcia é casada com um homem com deficiência física (vivido por Marcos Winter), mas mantém um relacionamento com o diretor do colégio, Jaci (Paulo Gorgulho). Lúcia é a personificação da professora heroica e da jornada do herói, que dá seu sangue pelos alunos e é a ponte entre todos os outros personagens.

Os demais professores também ocupam representações da realidade brasileira. Sonia (Hermila Guedes), professora de Geografia, é uma mulher deprimida, dura e cansada da vida exaustiva de dar aula em várias escolas e do casamento frustrado; Eliete (Thalita Carauta), que leciona Matemática, traz senso de humor e leveza para dentro da sala de aula, mas com uma boa dose de melancolia; por fim, Marcos André é professor de Artes e nunca deu aula em escola pública, muito menos no ensino noturno. Seu choque com aquela realidade pode ser o mesmo choque de boa parcela do público, que vai descobrindo aos poucos que o problema da educação no Brasil vai muito além do discurso.
O mais belo de Segunda Chamada é o seu olhar humano sob uma paisagem cinza.
Os alunos protagonistas da série completam esse quadro de realismo. Nestes dois primeiros episódios, destacam-se os dramas de Natasha (Linn da Quebrada) e Solange (Carol Duante). A primeira é uma travesti que luta diariamente para conseguir ser aceita pela sociedade. Durante o dia trabalha como cobradora de ônibus e é hostilizada por vários passageiros. Durante à noite, mesmo em um ambiente que deveria acolhê-la, Natasha tenta estudar sob o olhar perverso de outros alunos. Já Solange é mãe solteira, que precisa cuidar de sua filha, ainda um bebê, e terminar o ensino médio.
O mais belo de Segunda Chamada é o seu olhar humano sob uma paisagem cinza, que mais parece um ninho abandonado, como bem descreve determinado personagem. Ao trazer dramas pesados, a série nos obriga a fazer reflexões bastante profundas sobre a dolorosa desigualdade social do Brasil. É verdade que tudo na série carrega um peso simbólico nada sutil, mas funciona para que, de alguma forma, nos coloquemos no lugar daqueles personagens.

Embora Segunda Chamada traga alguns problemas relacionados ao tempo em que as ações estão acontecendo (parece que tudo ocorre ao mesmo tempo e os personagens estão transitando em todos os momentos), a série carrega veracidade desde o primeiro momento. Com uma direção segura e um roteiro forte, a produção ainda consegue dialogar com a situação política atual de forma bastante elegante, seja por mostrar cartazes contra cortes na educação ou pelos emocionantes depoimentos que aparecem ao final do episódio.
Ao dar voz a uma importantíssima parcela da população, que luta diariamente para conseguir estudar sob condições deploráveis, a série humaniza os alunos e faz uma linda homenagem aos professores, que embora um tanto quanto romantizados, carregam naturalidade em seus discursos. Ao priorizar cenas escuras e noturnas, Segunda Chamada é, ao mesmo tempo, um soco no estômago e um alento quando constatamos, ainda que por meio de um produto ficcional, que a educação é a única saída para sair desse caminho de trevas que o Brasil tomou.