Recentemente, um meme tomou conta do Twitter que dizia respeito ao que seria “cringe” para uma chamada “geração Z”. Dentre os elementos “cringe” (em tradução livre: coisas vergonhosas, embaraçosas), estariam Harry Potter, calças skinny e Facebook. E quem são os tais “zennials”? Pelo que pesquisei, essa geração Z compreende pessoas nascidas entre 1995 e 2010 – ou seja, jovens com idades entre 11 e 26 anos. Eles sucedem os chamados “millenials” (nascidos entre 1980 e 1994), que, por sua vez, sucedem os sujeitos da geração X (nascidos entre 1960 e 1979).
Trago estas informações em busca de uma tentativa de esclarecer uma dúvida que me acomete há 3 anos: o que faz um cidadão (no caso, eu) acompanhar um programa como De férias com o ex Brasil, sem pé nem cabeça? O mais próximo que cheguei de uma resposta tem a ver com esse meme – há um certo fascínio em entender como vivem as “novas gerações” e como elas conseguem ser tão diferentes das antigas. Afinal, só isso explica a paciência de acompanhar, semanalmente, um reality show, em que cerca de 20 jovens passam dias numa casa, numa praia paradisíaca, apenas passando férias.
Não obstante, o reality show da MTV parece ser um sucesso, mesmo sem ter elementos básicos de quase todos os reality shows, como possuir algum tipo de competição ou eliminações de participantes ao longo do programa. A graça estaria em apenas assistir à “curtição” (termo cringe?) destes perfeitos exemplares da geração Z – o que envolve, num impulso meio sádico, ver sua tensão quando algum “ex” (conceito bem alargado no programa) chega até a casa.
E é só isso: cada temporada tem 12 episódios sobre um grande nada permeado por brigas, prazeres e bebedeiras. A diversão, na minha leitura, está numa suposta “lente antropológica” que o De férias com o ex é capaz de proporcionar, quase como se entrássemos num zoológico cheio de “zennials” (retifico aqui o título deste texto de 2019, portanto).
Por isso, a atual temporada De férias com o ex Brasil: Celebs 2, veiculada pela MTV e pelo Amazon Prime Video, é uma possibilidade excelente para adentrar nesse zoo e ficar estupefato com quase tudo que as “celebs” fazem, pensam e dizem. Basicamente, tudo o que há a contemplar aqui é tentar entender a cartilha moral que se manifesta nesta grande celebração do hedonismo – e que, de forma estranha, poucos destes indivíduos parecem se divertir mais do que sofrem durante o programa. Este é um programa de “pegação” (mais um termo cringe) cuja narrativa se desenvolve quase exclusivamente na tensão que se desenrola nos conflitos num ambiente em que ninguém tem compromisso com ninguém.
Para uma pessoa da geração X, há um certo choque nesta suposta falta de parâmetros e/ou limites – não há mais os pudores dos primeiros Big Brother Brasil, por exemplo, quando cada vez que um casal se agarrava embaixo de um edredom, um escândalo nacional se pronunciava. No De férias com o ex, os jovens fazem sexo sem qualquer vergonha em frente de câmeras, e não também se importam com os lugares ou as testemunhas (há sempre cenas de sexo entre casais deitados nas mesmas camas que os outros).
Se a atração deste reality transcende o reconhecimento de qualquer limite, penso que a diversão diz respeito a justamente ver como esses lidam com as lógicas bem peculiares que se criam entre eles. Os participantes, aliás, são sempre escolhidos a dedo, numa fórmula bem engendrada para criar um bom reality. No caso de De férias com o ex Brasil: Celebs 2, o elenco é irregular, mas há alguns jovens que ficarão para os anais da franquia.
O protagonista, sem dúvida, é Rico Melquíades, um humorista gay de Alagoas que consegue se destacar como a pessoa mais intragável que já entrou no programa. Rico reúne características que o tornam um bom personagem de reality, capaz de catalisar todo o ódio vindo tanto dos colegas quanto do público: magoado com tudo, é possessivo, barraqueiro e egocêntrico.
Mas penso que o destaque dessa temporada 2021 está naquilo que fica nas entrelinhas. Se a franquia De férias com o ex é uma espécie de laboratório etnográfico da geração Z, a temporada De férias com o ex Brasil: Celebs 2 revela que essa geração, por mais que se veja como evoluída, segue reproduzindo comportamentos que já deveriam estar superados.
Se a franquia De férias com o ex é uma espécie de laboratório etnográfico da geração Z, a temporada De férias com o ex Brasil: Celebs 2 revela que essa geração, por mais que se veja como evoluída, segue reproduzindo comportamentos que já deveriam estar superados.
Explico: por trás de uma clara bandeira de inclusão e representatividade, os participantes do Celebs 2 exibem, em sua coletividade, muitas manifestações de transfobia, homofobia, bifobia, machismo e gordofobia. No grupo composto por 25 pessoas (até o momento), há um homem trans (Tarso Brant), um único homem que se declara bissexual (Fael), duas mulheres gordas (Marina Gregory e Day Camargo) e alguns homens gays.
Como já dito, a tônica do programa é a pegação, mas as tramas só se desenvolvem a partir do momento em que a pegação evolui para algum tipo de envolvimento que gere drama. Há também alguns momentos de decisões no programa: ocasionalmente, o tablet que conversa com os participantes dá a chance para que um deles escolha outra para ir para a suíte master, uma espécie de motel interno da casa.
Quem prestar bastante atenção no programa, consegue notar as sutilezas nas interações. Por exemplo, a maior parte dos homens gays e dos negros (entre eles, o dançarino Neguim e o influencer Matheus Pasquarelli) ficam sempre alheios a quase todas as interações, funcionando como “plantas”, pegando a terminologia do BBB.
Tarso, o homem trans, também quase não se envolve em tramas e, nas vezes que expressou algum tipo de conflito, foi negligenciado pela edição. Além disso, sempre me chama atenção que, em todas as temporadas do programa, praticamente todas as mulheres beijam outras mulheres, mas nenhum homem autodeclarado hétero jamais entra em qualquer brincadeira com outros homens gays.
Outro aspecto: as duas mulheres gordas jamais são escolhidas para formar casais, nem foram escolhidas para ir à suíte master. Day, que é cantora sertaneja, inclusive manifestou em alguns episódios o seu incômodo, de estar cansada de ficar de vela (a pessoa que sobra ao lado de um casal) e chegou a brincar, amargamente, que nem era mais vela, mas uma tocha. Sander Henrique, o ex de Marina Gregory, declarou quando entrou que ela não era a primeira opção dele na casa.
E por fim, o momento que, para mim, foi o mais marcante em toda a temporada. Em certo episódio, o surfista Flávio Nakagima recebe o prêmio de escolher alguém para ir a suíte master. Escolhe Leticia Escarião, dando uma “chance” para a novata. Eles vão para a suíte, mas Leticia não topa fazer sexo com Nakagima – que a xinga e saí do quarto, contrariado.
Gera-se uma mini comoção na casa, que discute se Leticia estava certa ou errada (de manifestar que não queria sexo com ele). No dia seguinte, em uma dinâmica, Nakagima fala do episódio, chorando, como se tivesse sido vitimado por ter concedido seu carinho e amor à moça. Qualquer discussão sobre consentimento e limites (não há qualquer menção, ao longo do programa, sobre se o “escolhido” para a suíte master pode aceitar ou não) fica no meio do caminho.
E assim segue o baile, ano após ano, com o programa da MTV nos ofertando esta visita periódica a este zoológico de zennials. De tão ruim, chega a ser bom.