Talvez RuPaul’s Drag Race seja hoje uma das franquias midiáticas mais bem-sucedidas na televisão – ficando páreo a páreo com gigantes como The Voice. Não falo aqui em termos de volume de dinheiro arrecadado pelos programas, mas sim pela enorme influência que o show de RuPaul tem hoje na cultura, já escapando da limitação de programa de nicho. E se tem um sintoma claro desse sucesso está no fato de que o spin-off RuPaul’s Drag Race – All Stars está já na sua sexta temporada, sem sinais de desgaste.
Este tipo de atração, trazendo estrelas dos programas anteriores, só faz sentido quando a franquia já está muito impregnada na mente dos fãs. É o que vemos, por exemplo, no culto em torno de Big Brother Brasil (em que participantes antigos foram até parar na edição 2021 de No Limite), em A Fazenda (em que o fandom cultua nomes antigos, como os de Théo Werneck e Andressa Urach), em MasterChef Brasil – Profissionais. RuPaul’s Drag Race – All Stars é o programa de mid season da franquia, e fortalece o culto, enquanto a edição normal tem a responsabilidade de inaugurar novas drags estelares.
O público, portanto, são os fãs já cativados – aqueles que lutam pelas suas musas na internet e torcem para que ela tenha chance de voltar no All Stars. O programa também tem um apelo adicional de uma história de redenção, pois todas as drag queens não foram vencedoras em suas temporadas (a única exceção até o momento foi BeBe Zahara Benet, a ganhadora de RPDR 1, que é considerada pelos fãs e pela própria produção uma temporada em que as drags foram injustiçadas, pois o programa ainda engatinhava e elas não adquiriram tanta visibilidade).
A temporada 6, portanto, tem o desafio de sempre de montar um bom elenco de drags “renegadas”, embora extremamente queridas pelos fãs. Nesta sexta, o grupo das 13 participantes parece interessante, pois há algumas surpresas: algumas que é difícil imaginar que tenham um fandom grande o suficiente para justificar sua volta (como Serena ChaCha) e outras que adquiram uma má fama (como Ra’Jah O’Hara).
O aspecto mais fascinante, para mim, é o fato de que o programa investe em nomes que adquiriram repercussão não durante sua passagem por RPDR, mas depois, especialmente pelos movimentos das redes sociais. Destaco neste grupo especialmente Kylie Sonique Love, que se revelou uma mulher trans durante a season 2, mas não nada muito além disso (há, aliás, outra mulher trans no elenco – a outra é Jiggly Caliente, da temporada 4).
Mas não se engane que, embora voltar para o All Stars pareça uma grande oportunidade, nem sempre é uma boa aposta. Para começar, porque é óbvio que concorrer num programa desses é um investimento financeiro gigantesco. Claramente, com exceção dos desafios de costura, as drags levam todas as roupas e sua produção já de casa (de vez em quando, alguma participante fala sobre a ajuda externa que teve para bolar e materializar os looks). Em segundo lugar, porque nem sempre essa expectativa de redenção é cumprida. Veja, por exemplo, por Yara Sofia: miss simpatia na temporada 3, e participante do All Stars 1, ela volta para o All Stars 6 e o deixa com uma aparência de pessoa tresloucada, que precisava mais de terapia do que exposição. Na sua curta participação, foi arrogante e descumpriu o quesito número 1 do programa: revelar uma vontade gigantesca de estar lá. Yara, sem sombra de dúvida, estava em outro lugar mas não na competição.
Pandora Boxx também parece deslocada dentro desta season 6. Temos aqui outra miss simpatia, da temporada 2, e também ex-participante do All Stars 1, como Yara. Nesta sexta, Pandora não parece antipática, como Yara, mas abatida, quase como se estivesse sem forças para estar lá. Em certos momentos dá uma certa impressão de que ela se sente diminuída por ser a mais velha do grupo, sem que sua experiência tenha se convertido em sabedoria ou referência para as demais.
É claro que num elenco de 13 pessoas, só sobrevivem as que conseguem chamar a atenção das câmeras e da edição – seja para o bem ou para o mal. Jan, por exemplo, é alguém que permanece no meio desse caminho, e a principal crítica em torno dela é que ela se “esforça demais” (e acompanhando o show, faz todo o sentido – ela “tenta demais” a ponto de soar artificial). Ginger Minj, outra veterana (temporada 6 e All Stars 2) parece também alguém que confia excessivamente no seu carisma pregresso, e parece esquecer que, para conquistar a vitória, é preciso conquistar novos fãs e – mais importante que tudo – os jurados.
O aspecto mais fascinante é o fato de que o programa investe em nomes que adquiriram repercussão não durante sua passagem por RPDR, mas depois, especialmente pelos movimentos das redes sociais.
E, at last but not at least, vamos às drags que estão surpreendendo. O primeiro destaque, na minha visão, é Sonique, que, como disse, foi quase invisível na temporada original. Em seu retorno, ela revela que sua persona pública adquiriu múltiplas camadas de dor e glória, que precisam vir à tona na mesma medida. Esta dupla entre performance e vulnerabilidade é um grande fator para fazer uma participante avançar até a final.
Mas as grandes estrelas da season 6, até aqui, são duas drags que buscam redenção. A primeira é Trinity K. Bonet, da temporada 6, que nunca mais foi lembrada desde então. Sua trajetória original foi marcante pois ela tem uma vibe meio ghetto, de quem cresceu marginalizada – culminando na sua revelação no programa de que é HIV positivo. Na season 6, ela voltou com ares de pastor: quando fala, geralmente não é ouvida, mas parece proferir sermões (e não digo isso no mau sentido). Sua performance de Beyoncé foi histórica, pois quebrou um tabu cultivado entre o fandom: o de que nenhuma drag jamais conseguiu ter uma boa apresentação imitando a diva pop.
Por fim, a segunda é Ra’Jah O’Hara, uma espécie de zebra na competição: ela restou pouco lembrada depois da temporada 11, mas volta agora conquistando resultados incríveis: suas apresentações têm sido impecáveis, e seus sucessos são temperados pelo fato de que ninguém esperava nada dela. Todo mundo adora um azarão, um Davi que enfrenta Golias, e é de se esperar que Ra’Jah continue brilhando.
O que importa é que All Stars 6 está empolgante, animada e cheia de surpresas – fazendo jus, felizmente, às expectativas dos fãs que não aguentam ficar um ano inteiro sem a companhia desse programa. Não poderíamos pedir mais.