Quase todo canal de TV aberta dos Estados Unidos que trabalha com produtos de ficção, especialmente séries, vive em busca de sua galinha dos ovos de ouro. Nem sempre é fácil, já que sua audiência é muito mais diversificada que dos canais a cabo, que foram preponderantes para que vivamos uma nova era na teledramaturgia mundial, o que leva, por exemplo, a apostarem muito em comédias mais tradicionais.
A bem da verdade, isso é um artigo raro, afinal as emissoras abertas costumam ter muito menos paciência com seus produtos, além de optarem por argumentos por vezes tão genéricos que cansam a audiência, quando não a entediam. Se a CBS tem The Big Bang Theory, recentemente a NBC parece ter encontrado a sua. This Is Us não é só sucesso de audiência e crítica, como também arrematou troféus em premiações, algo que vinha rareando para dramas de TV aberta.
Pois se vale tudo pela audiência, que significa de modo óbvio “tudo pelo dinheiro”, também entra no páreo as tentativas de emular projetos bem-sucedidos de emissoras concorrentes. É essa a impressão deixada por A Million Little Things, principal aposta do atual fall season da ABC, incluída há pouco no catálogo do Globoplay.
Não há muito esforço em disfarçar o quanto as premissas são parecidas. A Million Little Things apenas opta por trabalhar um núcleo de amigos ao invés de um familiar, mas toda a estratégia de feridas abertas, mistérios a serem resolvidos e outros tantos atributos característicos do melodrama estão presentes no programa. Tal como no hit da NBC, A Million Little Things tem como ponto de partida (e eixo de desenvolvimento da trama) a morte de um personagem e toda a dor e drama que cercam o fato.
É inegável que o episódio piloto foi muito bem elaborado, mesmo frente a todas as “semelhanças” com o produto da concorrente. Jon (Ron Livingston, de The Practice) é um homem aparentemente bem-sucedido, adorado por todos os amigos, casado com a mulher de sua vida e pai de dois filhos cuja relação é perfeita. Sem nenhuma razão aparente, ele se atira da sacada de seu escritório a plena luz do dia, sem deixar nenhuma carta, recado ou mensagem aos amigos e familiares que ficaram. Ele era o pilar sobre o qual a vida e relacionamentos entre amigos se sustentava. A partir de sua morte, rachaduras começam a surgir nas relações, e novas emoções são trazidas à tona.
A série foi lançada em um período que o mundo vivia uma sequência de suicídios de pessoas famosas. Este fato sozinho dava a sensação que o programa tinha uma pretensão de querer trafegar por essa zona nebulosa e, de alguma maneira, tratar o suicídio em rede nacional – lembrem-se que estamos falando de uma das principais emissoras abertas dos Estados Unidos. No entanto, isso não acontece (e há quem defenda que foi até bom, já que não deu margem a que glamourizassem o suicídio).
Vê-los fazendo um drama é como acompanhar uma criança fazendo um choro de crocodilo e tentar acreditar que é real.
Ainda que os roteiristas tenham encontrado uma maneira de manter o personagem de Livingston na trama, reaparecendo em flashbacks, por exemplo, a construção dos personagens e a forma como o show foi sendo desenrolado possuem muitos problemas. Primeiro, a relação de amizade entre os diferentes personagens é artificial: se conhecem há poucos anos e são como amigos inseparáveis, sendo que não possuem outros laços afetivos com pessoas fora deste círculo. Segundo, os problemas que enfrentam, ainda que sérios (câncer, dificuldades no casamento, descoberta da sexualidade, problemas financeiros, etc), são expostos como se estivéssemos assistindo um longo comercial de margarina. Terceiro, a escalação de alguns atores parece não ter sido acertada: David Giuntoli ainda está muito ligado a seu personagem em Grimm, enquanto é praticamente impossível dissociar James Roday de seus oito anos como Shawn Spencer em Psych. Vê-los fazendo um drama é como acompanhar uma criança fazendo um choro de crocodilo e tentar acreditar que é real.
Claro que nem mesmo toda a previsibilidade do roteiro de A Million Little Things torna ela um programa ruim, mas certamente resulta em uma série menor, cuja busca pela espetacularização dramática (seja través de melodrama ou de cliffhangers) parece ser mais importante do que contar uma história. Pode ser até que você venha a chorar em uma cena ou outra, mas é mais provável que ficará diante da tela de TV um pouco incrédulo com o que está assistindo, senão indiferente.
De todo modo, a boa audiência já garantiu a renovação para uma segunda temporada, divulgada no início deste mês. Resta ver até quando essa “livre inspiração” conseguirá ficar de pé.