Ao chegar à sua quarta temporada, Abbott Elementary reafirma seu espaço como uma das comédias mais relevantes da televisão contemporânea, mas também encontra novos desafios narrativos. A série continua a equilibrar com maestria seu humor leve com críticas sociais pontuais, ao mesmo tempo que expande — nem sempre com perfeição — o universo de seus personagens centrais.
Um dos destaques mais notáveis da temporada é a personagem Ava, vivida por Janelle James. Se antes era vista sobretudo como uma diretora atrapalhada e extravagante, nesta nova leva de episódios ela ganha densidade e camadas emocionais mais claras. O roteiro faz um esforço notável para apresentar fragilidades e motivações mais humanas para a personagem, sem abrir mão do carisma nonsense que a tornou tão marcante. O episódio em que suas questões com o pai vêm à tona sintetiza bem esse novo olhar.
Por outro lado, o tão aguardado romance entre Janine e Gregory finalmente se concretiza — e traz consigo um dilema narrativo clássico: o que fazer com um casal que se sustentava mais na tensão do que na relação em si? Ainda que o roteiro tenha tentado equilibrar os tons e mostrar as dificuldades reais de um namoro entre colegas de trabalho com perfis tão distintos, a resolução do romance pode ter comprometido um dos motores centrais da série: a expectativa do “será que vai acontecer?”. A longo prazo, permanece a dúvida: a série conseguirá manter seu ritmo com esse arco já resolvido?
Quanto ao elenco de apoio, personagens como Mr. Johnson continuam sendo excelentes válvulas de escape cômico, operando em um registro próprio — quase como se ele tivesse saído de Todo Mundo Odeia o Chris. Sua presença ganha mais espaço, mas ele ainda atua mais como um elemento de alívio do que como um personagem de fato aprofundado. Melissa, por sua vez, aparece pouco nesta temporada, enquanto Barbara tem um arco interessante sobre envelhecimento profissional e o impacto das novas tecnologias na educação. A leveza com que o roteiro aborda a possibilidade de sua aposentadoria traz um frescor inesperado à série — e abre espaço para reflexões mais profundas.
No campo temático, Abbott Elementary segue ousada dentro de seus próprios limites. A gentrificação (simbolizada pelo clube de golfe avançando sobre o terreno da escola), as greves e a breve demissão de Ava são tratados com inteligência e humor, preservando o tom já característico da série. Em especial, a saída temporária de Ava funciona como catalisador para vários episódios, colocando Gregory em um papel desconfortável e revelando novas camadas da relação entre os funcionários da escola.
Embora o formato mockumentary continue em uso, já se nota certo desgaste — e a própria estrutura da série parece reconhecer isso, flexibilizando o estilo em diversas cenas. Essa escolha funciona até agora, mas revela um esgotamento iminente. A criadora Quinta Brunson, inclusive, já manifestou publicamente a intenção de, em algum momento, se afastar da personagem, o que também pode sinalizar uma reconfiguração mais ampla do programa.
Abbott Elementary segue ousada dentro de seus próprios limites.
No quesito inovação, o destaque vai para o inesperado crossover com It’s Always Sunny in Philadelphia — um momento divertido e inventivo, embora sua recepção possa ter sido desigual entre os públicos. Ainda assim, é uma boa mostra de que a série está disposta a experimentar, mesmo que timidamente.
Em comparação à terceira temporada, marcada pelo foco quase exclusivo na construção do casal protagonista, esta quarta temporada representa uma retomada do equilíbrio entre humor e crítica social — marca registrada de Abbott Elementary desde seu início. É visível que os roteiristas tentaram agradar tanto ao público que ansiava pela resolução romântica, quanto à audiência que valoriza o olhar satírico e político sobre a educação pública americana. Essa tentativa de conciliação, embora digna, às vezes soa como uma permanência na zona de conforto.
Ainda assim, Abbott Elementary permanece relevante por mostrar que comédia e crítica não são opostos. Pelo contrário: podem se fortalecer mutuamente. O humor da série continua sendo engraçado, profundo — e crítico. E isso, por si só, já é um feito e tanto.
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