Há um certo prazer em acompanhar as reações que defendem que a TV aberta “tem seus dias contados” ou “está agonizando”. Porque, no momento em que uma série como Abbott Elementary aparece, vemos como os argumentos a favor desta ideia são frágeis.
Esqueça que, no Brasil, a série é exibida apenas em plataforma de streaming (no caso, a Star+). Nos Estados Unidos, Abbott Elementary é exibida na ABC, uma das maiores emissoras de TV aberta do país. E ter feito sucesso nesse cenário é extremamente relevante. A discussão sobre a “morte da TV aberta” na é exclusiva daqui.
Abbott Elementary é uma comédia no formato mockumentary que segue o dia a dia de um grupo de professores da Abbott Elementary, uma escola pública de perfil majoritariamente negro na cidade de Filadélfia, cuja ausência de recursos do poder público é a tônica da instituição.
https://www.youtube.com/watch?v=cO-_7oi-61Y
Nesse equilíbrio entre o humor e uma honestidade quase crua, capaz de celebrar o papel preponderante dos educadores e criticar as falhas do sistema, encontramos a força de uma série que vai se construindo aos poucos.
O formato não é novo e, convenhamos, tem sido uma espécie de zona de conforto na comédia estadunidense contemporânea, especialmente desde o sucesso de The Office.
Mas a série da ABC tem muito valor. A produção entrega ao público uma comédia que trafega entre o otimismo e o hiper-realismo, uma proposta que a aproxima muito mais de Parks and Recreation e Superstore do que Modern Family, por exemplo.
Mas isso significa dizer que Abbott Elementary está mais interessada em usar o humor para fazer crítica social do que para entreter? A resposta é não. A produção da ABC, obviamente, faz troça das políticas públicas de educação na “maior nação do mundo”, mas sua “militância” parte do humor e não do panfleto.
‘Abbott Elementary’: o espírito de Quinta Brunson, mas a destreza de um grande elenco
Quinta Brunson, criadora, roteirista e protagonista da série, é um nome pouco conhecido no Brasil. Nos Estados Unidos, além de atriz e dubladora de animações como Big Mouth, é uma comediante de stand-up de relativo sucesso, inclusive na televisão, onde comandou programas do gênero.
Na série, Quinta é Janine, uma professora que acredita imensamente no papel transformador da educação e que é possível fazer mais e melhor por seus alunos.
A indiferença do sistema em que trabalha obriga que tenha desenvoltura o suficiente para motivar seus colegas, já que Ava (a hilariante Janelle James), a diretora egocêntrica da escola, tem zero tino para o cargo.
Sua condução da escola é desastrada, tudo porque ela está mais interessada em viver o que acredita ser sua vocação para o estrelato. Por essa razão, Ava contrata (usando dinheiro público, é claro) uma equipe para filmar um documentário sobre a rotina da Abbott Elementary, que passa a seguir os professores e colher depoimentos sobre sua atuação.
Completam a equipe da escola (e da série) Barbara (a incrível Sheryl Lee Ralph, de Ray Donovan), professora super rígida e cristã; Jacob (Chris Perfetti, de O Som do Silêncio), uma caricatura do branco progressista; Lisa Ann Walter (de Breaking News), professora de origem italiana e que resolve tudo usando suas “conexões”; William Stanford Davis (de Ray Donovan), o hilariante zelador da escola que é super inteligente e misterioso; e Gregory (Tyler James Williams, do eterno Todo Mundo Odeia o Chris), que após não conseguir o cargo de diretor da escola acaba aceitando ser professor substituto.
Cada um com sua contribuição torna Abbott Elementary uma série divertidíssima. Não há espaço para idealizar a profissão, ainda que, como dito em um dos episódios, eles sejam “administradores, assistentes sociais, terapeutas e segundos pais”.
Nesse equilíbrio entre o humor e uma honestidade quase crua, capaz de celebrar o papel preponderante dos educadores e criticar as falhas do sistema, encontramos a força de uma série que vai se construindo aos poucos, como quem descobre onde está pisando e até onde pode ir.
Sendo assim, ainda há espaço para que Abbott Elementary seja lapidada, mas, conforme dito no início desta crítica, também mostra que a TV aberta segue pulsando. Lá e cá. Seriado foi renovado em março para uma segunda temporada, prevista para estrear nos Estados Unidos no fim deste mês.
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