Em 2004, uma moça de 29 anos, que trabalhava como servidora na Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, saiu para almoçar e nunca mais retornou. Há 20 anos, está desaparecida, e há pouquíssimas pistas sólidas sobre o seu caso. Esta seria, infelizmente, mais uma das milhares de histórias de sumiços inexplicáveis no Brasil se não fosse pelo fato de que esta mulher, que se chama Priscila, é irmã do famoso lutador de MMA Vitor Belfort.
Lançado pela Disney+, a série documental Volta Priscila é mais uma obra audiovisual do gênero true crime disponível nas plataformas de streaming. Isso, por si mesmo, talvez possa ser encarado como um certo problema – uma vez que a onipresença de narrativas de crimes reais na mídia talvez sirva mais para funções de entretenimento e espetacularização da violência do que, necessariamente, para produzir algum tipo de melhoria social.
Mas penso que há outros problemas em Volta, Priscila que dizem respeito principalmente ao formato usado para contar a história (o que é certamente relevante), mas, sobretudo, para estendê-la em quatro capítulos. O documentário de Eduardo Rajabally parece ter como um dos objetivos centrais revelar a personalidade de Priscila Belfort – que, pelo que nos é revelado, era/ é uma mulher circunspecta e que enfrentava sofrimentos relativos à saúde mental. Entre as razões possíveis para isso, são citados um possível trauma pela separação dos pais e um intercâmbio mal planejado para o Canadá.
Em Volta Priscila, a artificialidade acaba chamando mais a atenção do que deveria, dando a sensação de que toda a trama seria resolvida em um filme mais curto.
Quando ela desaparece em 2004, várias teorias começam a pipocar (provavelmente por causa do irmão famoso), assim como testemunhas que tentam associar seu sumiço a um suposto problema com drogas e a dívidas não pagas com o crime organizado do Rio de Janeiro. Essa é a parte mais interessante da série: quando nos é mostrado que a investigação do caso foi, no mínimo, relapsa, para não dizer mal intencionada ou simplesmente incompetente.
Vinte anos depois do desaparecimento, a única pista que segue pedindo para ser explorada é a que envolve o namorado de Priscila na época, que não é nomeado possivelmente por questões jurídicas. Mas ficamos por fim sabendo que ele era filho de alguma pessoa muito poderosa do Rio de Janeiro e que supostamente exibiu comportamentos suspeitos que nunca foram investigados pela polícia.
‘Volta Priscila’: um documentário sem imagens
Penso que a principal fragilidade de Volta Priscila está nas questões técnicas que são enfrentadas pelo fato de que essa história se tornou pauta de um produto audiovisual. Como fica bem claro ao longo dos quatro capítulos, Priscila não tinha uma personalidade efusiva, não era dada a auto-registros, e o que mais chamava a atenção para si era o fato de que era irmã de Vitor Belfort.
Que fique bem claro: não há qualquer problema nisso. A grande questão aqui é que, quando ela se torna objeto de uma série documental, isso acaba gerando uma grande dificuldade na hora de ilustrar a história. Além dos poucos registros feitos pela família (que acabam sendo muito repetidos), a direção opta por fazer uso de muitas imagens produzidas que vão fazendo a atração perder a força.
Por exemplo: vemos imagens de Priscila com o irmã e a mãe no Havaí, feitas por alguma câmera amadora. Mas, logo adiante, há cenas produzidas em que alguma atriz aparece de costas ao mar, como se fosse a própria Priscila. Em outros momentos, alguns registros do diário de Priscila são narrados por uma voz feminina em off, mais uma vez simulando sua presença.
Quando usado com moderação, tal recurso pode ser interessante (cito, por exemplo, o que é feito em O Caso Evandro, série de true crime que também usa cenas de apoio com atores). Em Volta Priscila, a artificialidade acaba chamando mais a atenção do que deveria, dando a sensação de que toda a trama seria resolvida em um filme mais curto.
Não por acaso, provavelmente as cenas mais impactantes da série sejam justamente as que exibem a genuinidade do sofrimento de Vitor Belfort, que fala, de forma muito comovente, do impacto que o sumiço da irmã teve em sua vida e de sua família. É claro que todas as histórias de desaparecimento devem (e merecem) ser contadas, mas talvez houvesse formas melhores de levar o caso de Priscila Belfort ao público.
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