Se o diabo está nos detalhes, Easy consegue esmiuçar nossos demônios ao narrar o que não conseguimos explicar ou o que não percebemos nos nossos relacionamentos. Se o cinema e a TV nos dão boas doses de escapismo para montarmos e remontarmos nosso imaginário do que seria amar e ser amado, Easy pega a nossa complexidade para formar um simulacro eficiente da nossa realidade enquanto seres sociais. E, infelizmente, uma das produções mais interessantes da Netflix é uma série que quase ninguém comenta.
O segundo ano de Easy, disponível na plataforma desde o final do ano passado, continua a mostrar crônicas inteligentes dos relacionamentos modernos. Com oito episódios antológicos, o cineasta Joe Swanberg, que escreve e dirige todos os capítulos, continua utilizando a técnica mumblecore, estilo de filmagem que se firma na improvisação dos diálogos dos atores diante de determinadas situações. Mais maduro do que no primeiro ano e com os atores mais à vontade, Easy causa identificação ao não dar respostas nem julgar seus personagens. O que vemos são atos corriqueiros do nosso cotidiano que muitas vezes passam despercebidos, mas quando mostrados pelos olhos da arte, causam reflexão
Entretanto, a série não tem nenhuma pretensão de ser um produto altamente reflexivo ou de difícil acesso. As situações mostradas são as mais simples possíveis e muitas das histórias não parecem ter um tema específico, embora a relação tecnologia vs. interação humana pareça presente em todos os momentos. A série está mais interessada em provocar alguma coisa no público, mesmo que esse público não saiba bem o que está vendo. Assim, o primeiro episódio, que aborda a vizinhança de um bairro nobre que se reúne para fazer justiça com as próprias mãos e prender um homem que está roubando encomendas nas portas da casa, pode ser visto apenas por esse viés mais simples ou pelo fato de aquelas pessoas piorarem a situação entrando numa espiral de paranoia.
Tal como no primeiro ano, a recepção depende muito do repertório de vida de cada um.
Tal como no primeiro ano, a recepção depende muito do repertório de vida de cada um e a série consegue fazer com que o próprio público preencha as lacunas vistas nos episódios, embora nada fique sem conclusão.
O interessante é que a conclusão não termina quando o episódio acaba. Afinal, alguns questionamentos são bastante caros e podem ser levados para fora da TV, como a história de um casal que decide optar por um relacionamento aberto para tentar salvar o casamento (episódio 2), ou um casal de mulheres feministas que começa a questionar algumas crenças (episódio 7), ou uma filha que começa a desafiar a religiosidade dos pais fazendo ações cristãs demais até para eles (episódio 6). Nenhum desses enredos tenta passar uma mensagem fechada ou bonitinha, sendo que os personagens terminam sem propriamente um final, assim como na vida.
Joe Swanberg dá à série um certo tom documental que exige um domínio admirável dos atores, já que a câmera sempre espera uma reação original. Os silêncios, as frases curtas e a dinâmica entre os personagens deixam a série viva, como se de fato estivéssemos vendo pessoas reais fazendo coisas corriqueiras. Diversos atores da primeira temporada voltam neste segundo interpretando os mesmos personagens, agora em novas situações, estratégia inteligente para entendermos a evolução de cada um e como os problemas vistos no primeiro ano se desenrolaram ao longo do tempo.
Com um olhar sincero, Easy evita fingir passar uma mensagem progressista para depois concluir a história com algo tradicional. Desafiando o público a participar das histórias, a série é uma experiência interessante e que certamente deveria ganhar mais atenção.