Após a criação da Terra e de outros eventos, Deus condenou Lucifer ao Inferno. Mas o Inferno era um lugar meio chato, aquela porta giratória de humanos berrando e o filho Dele tendo que punir todos… cansou. Então o filho rebelde caiu fora e resolveu tirar férias na Terra. Esta é a premissa inicial de Lucifer, série que a FOX começou a transmitir semanalmente em janeiro.
Deixemos os chifres, cauda, tridente e aquele estereótipo demoníaco no limbo. Lucifer Morningstar, interpretado por Tom Ellis, é um Don Juan que fala com o sarcasmo em piloto automático e faz de Los Angeles seu jardim particular das delícias terrenas. Isso inclui seu bar Lux, seu carro luxuoso, festinhas e todas as mulheres em quem ele dá em cima.
Isso até ele topar com Chloe Decker, interpretada por Lauren German, da divisão de homicídios da polícia. Por alguma razão que nem o diabo entende, ela resiste aos galanteios do protagonista, que decide acompanhá-la e interferir livremente em suas investigações. Afinal, os crimes humanos são apenas diversões para ele, que olha para nossa espécie da forma mais arrogante possível – só não descarta vidas porque brinca com elas.
Porém, o anjo caído se depara com mais questões estranhas além da aparente descrença de Chloe em sua identidade. Lucifer age de forma irresponsável aos olhos mortais e faz questão de ignorar o que nos compõe, além de ser cara de pau o bastante para dizer que não se cansa de se surpreender com os humanos, que faz questão de afirmar que pune – mas não como gostaria.
Lucifer age de forma irresponsável aos olhos mortais e faz questão de ignorar o que nos compõe.
A relação dele com a humanidade está sendo bem desenvolvida. Lucifer não abusa de seus poderes e até o momento (o quarto episódio foi exibido nesta semana) foram poucas cenas em que ele mostrou sua face desumana para alguém. Ele não cansa de pisar – metaforicamente – em culpados de toda sorte, parece querer condenar apenas os reais criminosos, mas não faz questão de ajudar de verdade a encontrá-los. E com o avanço da narrativa, percebe que talvez não esteja tão distante dos “humanos”.
O seriado Lucifer foi criado a partir de um personagem de uma HQ de Neil Gaiman, e aqui começam as críticas. É possível considerar o seriado como uma mídia diferente que oferece uma experiência também diferente de sua fonte, pois se o seriado fosse fiel a HQ o protagonista não seria esse galã moreno, e sim um clone maldoso do David Bowie. O lado bom é que o seriado não abusa de efeitos especiais (que continue assim), o lado ruim ou estranho é que é outra história, quase um spin-off com o mesmo personagem.
Na HQ, há duzias de mitologias jogadas em um contexto novo, a maneira do romance Deuses Americanos: nada de moralismos, apenas as imaginando como personagens de carne, osso e principalmente sangue. Há de se considerar que a HQ aborda muitas questões diferentes do seriado, das mais filosóficas às interpretações sobre o papel de mitologias e crenças; o seriado aborda isso de forma branda, às vezes beirando uma narrativa detetivesca com um personagem sobrenatural, capaz de cativar e irritar ao mesmo tempo.
Enquanto série, Lucifer tem mostrado bem lentamente a que veio. Às vezes incomoda como todos os personagens dependem do protagonista, desde aqueles criados para o seriado, feito Beatrice “Trixie”, filha da detetive Chloe, e a Dra. Linda Martin, com quem Lucifer mantém um caso e depois passa a se consultar; como os adaptados, muito forçosamente, da HQ: o arcanjo Amenadiel, que insiste no retorno do anjo caído ao inferno para restaurar o balanço universal, e Mazikeen, diabólico braço-direito com poderes e personalidades muito próprios – ambos com presença marginal na série até o momento.
Naturalmente, o “bom” e o “mau” da série vão do seu gosto, expectativa e repertório. Os diálogos de Lucifer valem cada frase, graças ao humor infernal de seu astro decadente, ciente de que cada ação tem seu tempo. Em um deles, o perguntam “Por Deus, o que você está fazendo aqui?”. “Não estou aqui em nome Dele, apenas pelo meu”. O diabo nunca foi tão idiota, presunçoso e humano.