Algumas séries começam mornas, exigindo do público uma certa paciência para acompanhá-la. Foi assim com Breaking Bad, True Detective, Mad Men e várias outras. Mas também há séries que já começam promissoras, fisgando a audiência e arrancando elogios da crítica logo em seus primeiros episódios. Talvez, essas sejam as que mais precisam de um esforço maior dos produtores para que a qualidade não caia. Afinal, quando se eleva o nível, o público não espera menos. Essa é a sensação que Mr. Robot causa. Em seus primeiros sete episódios, a série do canal americano USA (também responsável por Psych, White Collar, Xena) já mostra potencial para ser a melhor produção do ano.
Na série, acompanhamos Elliot (Rami Malek, de The Pacific, The War at Home), um jovem e inteligente programador que sofre de uma desordem mental que o torna antissocial. Acreditando que a única forma de se conectar com as pessoas é hackeando suas vidas, ele alia seus conhecimentos a uma empresa de segurança online. Essa empresa é responsável por proteger a rede de uma das corporações mais perversas dos EUA, a Evil Corp. Suas atividades chamam a atenção de Mr. Robot (Christian Slater), um misterioso anarquista que convida Elliot a fazer parte de uma organização que atua na ilegalidade com o objetivo de derrubar as corporações americanas, especialmente a Evil Corp, responsável por prejudicar a vida de milhares de norte-americanos. Entre a empresa e a organização secreta, Elliot precisa decidir quem ele realmente quer ser: um cara normal, vivendo como todos nós, com seus iPhones e alienação seletiva, ou alguém que fará de tudo para derrubar uma das empresas capitalistas mais corruptas do mundo.
Embora o tema pareça bem específico, até um pouco maçante, a série já começa com um ritmo impressionante, lembrando, algumas vezes, a tensão vista em Alias ou até mesmo em Breaking Bad. Com um episódio piloto extremamente eficiente ao apresentar o clima sombrio e os personagens complexos, Mr. Robot pretende discutir como a sociedade atual funciona, sufocando problemas e disfarçando angústias por meio de compras, dinheiro, relacionamentos virtuais e com pessoas que preferem suprimir a humanidade por meio de instrumentos mais fáceis, como celulares, Facebook ou qualquer outro caminho artificial. Mas engana-se quem pensa que isso é apresentado de forma didática. O texto, embora um pouco expositivo, consegue driblar o clichê, sendo um thriller eletrizante, deixando o público desesperado para o próximo episódio.
O texto, embora um pouco expositivo, consegue driblar o clichê, sendo um thriller eletrizante, deixando o público desesperado para o próximo episódio.
Com uma direção de arte e fotografia diferente de tudo o que está no ar atualmente, Mr. Robot é filmado com planos que incomodam. Por vezes, os personagens não estão no centro e o espectador não vê direito o que está acontecendo. E é admirável constatar que os produtores poderiam criar uma série pretensiosa (alô, Sense8), mas tudo é milimetricamente pensado para deixar o público preso. A trilha sonora é nervosa e entra na hora certa, a montagem foge do comum e os diálogos jamais soam forçados. Mesmo repleto de termos técnicos, algo que poderia afastar a audiência, todos conseguem captar a importância de cada situação. Ainda, os roteiristas são corajosos ao alfinetar grandes nomes e empresas norte-americanas, apontando o dedo para Apple e Facebook, fazendo acusações sem usar de subterfúgios (imagens de Steve Jobs e Marck Zuckerberg aparecem associadas a crimes graves). Para completar, a logo da série, que surge em toda abertura, lembra muito a tipografia da Sega, empresa desenvolvedora de softwares para video-games.
Também é gratificante constatar que Mr. Robot não subestima sua audiência em momento algum. Os roteiristas nunca vão pelo caminho fácil, exigindo do público uma atenção que vai além do entretenimento banal. Temos ainda a incômoda impressão de que estamos sendo vigiados a todo instante (e, de fato, estamos). Em seu terceiro episódio, a série faz uma analogia da vida com o termo “bug“, como se nossas fragilidades fossem a porta de entrada para os vírus, que, na vida real, podem ser nossos vícios, relacionamentos ou quaisquer coisas que nos deixem vulneráveis. E mesmo que tenha uma clara influência do filme Clube da Luta, a série apresenta uma gama de possibilidades e ideias que deixa o público pronto para criar as mais criativas teorias, que já andam correndo internet afora.
E se o texto é bom, todos os atores estão excelentes, especialmente o protagonista. Rami Malek apresenta um personagem complexo e, como já é costume em grandes séries, completamente anti-herói, egoísta e hipócrita. Acima de tudo, Elliot é um homem incomodado com a forma robótica em que o sistema nos obriga a viver. Ciente de que todos são pré-programados e não se dão conta, o personagem vive o dilema de continuar sendo comandando ou acordar para uma realidade dolorosa. A ideia – não necessariamente original, mas sempre pertinente – faz o público repensar suas próprias ações.
Tudo isso gera uma expectativa no espectador que facilmente pode frustrar. Inicialmente planejada como uma minissérie, o canal resolveu renová-la para um segundo ano, mesmo antes de sua estreia, o que já obriga seus roteiristas a abrirem um final que já estava decidido. Porém, com sete episódios já exibidos, a série consegue manter o mesmo ritmo da estreia, mostrando que os produtores estão fazendo a lição de casa direitinho: enredo tenso, diálogos bem escritos, personagens complexos e uma direção impecável. Se continuar assim, poderá ocupar o posto de melhor estreia de 2015. Imperdível.