Narcos, a série da Netflix sobre Pablo Escobar, talvez tenha sido um dos temas mais comentados, debatidos, amados e odiados em 2015. Sob várias perspectivas, a série gravou seu nome na história do entretenimento televisivo – e do streaming. Não pretendo analisar o sotaque de Wagner Moura. Gostaria apenas de mencionar que o ator estudou o idioma do zero, estudou o homem a quem representaria durante os 10 episódios que, ao final, serão mais de dez (a série foi renovada para uma segunda temporada). Aos que reclamam, esse não é um texto para você.
O drama, que retrata a vida do narcotraficante colombiano Pablo Escobar, foi criado por Chris Brancato (famoso pelos seriados Barrados no Baile e Arquivo-X), Carlo Bernard e Doug Miro, e coube ao diretor brasileiro José Padilha (Tropa de Elite) a direção do show.
De ladrão e sequestrador ao posto de “senhor das drogas”, o caminho de Pablo Escobar foi trilhado à base de plata o plomo (dinheiro ou chumbo). Do início da operação de venda de cocaína, em 1975, até sua fuga de La Catedral, a luxuosa prisão particular que construiu para evitar sua extradição para os Estados Unidos ou seu assassinato pelo Cartel de Calí (rival do de Medellín), Narcos narra os acontecimentos sob a ótica do agente do DEA, o órgão de polícia federal do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado da repressão e controle de narcóticos, Steve Murphy (Boyd Holbrook).
A escolha por retratar o período com o olhar de um policial norte-americano é um dos maiores motivos de críticas ao seriado e, paralelamente, a estratégia encontrada pelo serviço de streaming para contornar a resistência do público norte-americano às produções legendadas. Mas mesmo com leves pitadas do “americanismo”, Narcos mostra um poder dramático potente. Carregando a premissa que tem sido marca de sucessos de produções como Sopranos e Breaking Bad, a série é ancorada em dois anti-heróis, curiosamente em posições opostas, além de vários coadjuvantes também distantes do conceito do bom mocismo.
A escolha por retratar o período com o olhar de um policial norte-americano é um dos maiores motivos de críticas ao seriado e, paralelamente, a estratégia encontrada pelo serviço de streaming para contornar a resistência do público norte-americano às produções legendadas.
Pablo Escobar é retratado como alguém excessivamente humano. Da comoção com um cão, ao apreço à família e seu amor pela Colômbia, a qual faz questão de dizer que só sai “morto em um caixão”, o narcotraficante não é minimizado, pelo contrário. São seguidas suas vitórias contra o “poderio imperialista norte-americano”, não apenas na tela, como também o foi na vida real. Seu lado excessivamente cruel também ganha vez em Narcos. Impiedoso, frio e calculista, soube planejar muito bem seu império, mesmo que, posteriormente, suas atitudes tenham lhe causado a ruína. Nas entrelinhas, Escobar possuía ares ditatoriais e populistas. É importante frisar que, ao não querer a influência imperialista norte-americana, ele não lutava por um país livre, ele ansiava por um país para si.
O agente Murphy, muito fraco e acanhado no início, talvez pelo seu excessivo amor à profissão e às regras (e pela atuação deveras caricata de Holbrook), tem um interessante (e por vezes exagerado) arco narrativo. De certa maneira, essa guinada em sua forma de ver as coisas (motivada em parte pelo contato com as atrocidades de Escobar, parte por notar que a justiça por vezes é cega, e parte por perceber que a corrupção tem muitos tentáculos) nos confronta com nosso próprio censo de justiça, por vezes, um eufemismo para vingança.
Neste ponto, o trabalho de Padilha e do time de roteiristas foi muito bem executado, posto que é ligeiramente fácil torcer pelo narcotraficante, já que nossa visão do exercício policial (a violência, truculência e corrupção) não é das melhores. E fica pior quando a postura do agente toma contornos destorcidos de justiça: afinal, os fins justificam os meios? Bandido bom é bandido morto? E quando este bandido é o maior traficante de drogas do mundo, mudamos de opinião? Narcos joga estas perguntas nos espectadores, perguntas que não tem uma resposta certa, mas que tomam como base a moralidade, ou neste caso, a imoralidade de quem responde.
A partir disto, é fácil percebermos que não existem mocinhos em Narcos, além da própria população colombiana que, em algum momento, idolatrou Pablo Escobar: você odiaria o homem que procurava levar melhores condições de vida a você e sua família, enquanto um Estado enriquecia às suas custas? Nesta salada, sobra para a política, sempre retratada como frágil, submissa e corrupta; para os Estados Unidos, imperialistas, violentos, capazes de tudo por seus interesses; para a imprensa, corrupta, seletiva e ao serviço de interesses escusos; e para a família, um elemento esfarelado, apenas um artifício para obter credibilidade pelo tipo de homem que é, não pelas ações que defende.
Em suma, Narcos é inteligente e viciante. Não necessariamente nesta ordem.