Dias após terminar de assistir a (e me deslumbrar com) A Guerra do Vietnã, eis que cruzo na Netflix com a série norueguesa Nobel, que apareceu na minha lista de recomendações. Aparentemente o algoritmo do site devia achar no momento que eu estava com um interesse particular em dramas militares. Na verdade, não estava (eu acho), mas o que me chamou a atenção em Nobel foi o fato de ser uma série norueguesa.
Confesso que tenho um interesse particular em séries e filmes feitos em línguas que me forçam a recorrer a legendas (ou seja, qualquer uma que não seja português, inglês ou espanhol), e aparentemente a Netflix possui um catálogo vasto de séries escandinavas, algumas delas de qualidade considerável, como a islandesa Trapped e a dinamarquesa Rita. Então resolvi dar uma chance a Nobel.
Poderia resumir a experiência dizendo que esta é de fato uma série de qualidade esplêndida, e que antes mesmo de ela terminar eu já conseguia sentir isso… Mas não é pra um resumo assim que estou aqui, certo?
Nobel é uma série sobre o envolvimento norueguês na Guerra do Afeganistão, envolvimento que, e embora não seja tão violento quanto o americano, está longe de ser perfeito, tanto do ângulo militar quanto político. Então eis a pergunta: como é que a série faz para retratar os dois ângulos em todas as suas complexidades? Simples: contando a história de uma família inserida em ambos. O marido, Erling (interpretado por Aksel Hennie), é o líder de um grupo norueguês de Forças Especiais atuando em território afegão. A esposa, Johanne (Tuva Novotny), é chefe da Secretaria do ministro de Relações Exteriores. Duas pessoas fortes em cargos de extrema responsabilidade.
Nem sempre a indústria televisiva produz programas bons como Nobel, mas eles não são uma exceção no mundo. É só não ter preconceitos na hora de procurá-los.
Quando Erling consegue uma licença para retornar à Noruega, tudo faz parecer que ele terá dois meses de folga para aproveitar em casa… Até que ele recebe uma ordem misteriosa para completar em solo norueguês uma missão que ficou pendente no Afeganistão. As consequências disso fazem com que as vidas de Erling e Johanne entrem em colapso, conforme lhes é revelado o lado sombrio de uma guerra na qual a paz anda lado a lado com os negócios, fazendo-os repensarem suas ambiguidades morais, a culpa que sentem pelo seu trabalho, e também sua paixão um pelo outro.
Nobel é impecável em seu comentário político, questionando por que uma sociedade considerada como uma das mais pacíficas do mundo está envolvida em uma guerra que parece não ter fim. E é impecável especialmente porque em poucos momentos se preocupa em explicitá-lo. Ao invés disso, a série deixa que você a assista e tire as próprias conclusões ao final… O que não é difícil, considerando que ela é instantaneamente viciante, sendo preciso muito autocontrole para não assistir todos os seus oito episódios em um único fim-de-semana (quando não um dia).
Com uma narrativa que nunca parece parar junto com os créditos finais, a impressão que se tem é de se estar assistindo a um filme dividido em oito partes. Essa impressão é reforçada pelo desenvolvimento surpreendentemente realista dos personagens, inclusive dos antagonistas – a exemplo do detestável, mas ainda assim ambíguo figurão tribal Sharif Zamani (Atheer Adel), um homem que efetivamente acredita que o dinheiro é capaz de comprar coisas como honra e respeito.
O realismo de sua narrativa é acompanhado de perto pelo de sua ambientação. Com um orçamento equivalente a 1 milhão de euros por episódio, a cinematografia pôde ser a mais fiel possível, principalmente no que concerne aos equipamentos militares e efeitos especiais. Até mesmo o fato de as cenas ambientadas no Afeganistão terem sido filmadas no Marrocos não fica tão evidente quanto se esperaria.
Claro que, se você for fissurado por assuntos militares, vai encontrar uma quantidade suficiente erros e inexatidões – e mesmo que não seja fissurado, não vai conseguir negar que muitas das ações que os personagens tomam vão contra qualquer protocolo militar, mesmo para Forças Especiais. Mas quando se compara isso com tudo o mais que Nobel tem – a qualidade de sua história, de seus personagens, de sua produção, direção e atuação (embora, no caso desta última, uma avaliação minha ficaria limitada pela falta de compreensão da língua), e de como seu enredo consegue ao mesmo tempo te divertir, emocionar, chamar sua atenção e, por fim, provocar, sem falar no quão assombrosa a série consegue ser (já começando pelos créditos iniciais)… Percebe-se que quem implica com coisas assim já começou assistindo à série do jeito errado.
Embora não haja qualquer perspectiva quanto a uma segunda temporada, Nobel certamente fará mais pessoas acreditarem na qualidade e talento envolvidos não apenas nas produções escandinavas, mas inclusive em produções não americanas no geral. Nem sempre a indústria televisiva produz programas bons como Nobel, mas eles não são uma exceção no mundo. É só não ter preconceitos na hora de procurá-los.