Taika Waititi é um daqueles showrunners incansáveis. Diretor, roteirista e ator, ele é o nome por trás das excelentes What We Do in the Shadows (sobre um grupo de vampiros meio cafonas que vieram parar nos Estados Unidos) e Reservation Dogs (série impecável sobre um grupo de adolescentes de uma reserva indígena americana). Como se isso fosse pouco, ele ainda nos entregou em 2022, como produtor executivo e ator, Nossa Bandeira É a Morte, uma comédia curtinha e sagaz da HBO Max, que adentra num tema aparentemente inédito nas séries: as aventuras de piratas.
Mas espere aqui o mesmo tom debochado de todas as produções do prolífico Waititi. A série parte vagamente de um fato histórico: a vida de Stede Bonnet, um aristocrata entediado que largou uma vida de luxos para criar sua própria gangue de piratas, tornando-se conhecido como “o pirata cavalheiro”, e que teria sido parceiro de aventuras do famoso (e sanguinário) Barba Negra.
Além de engraçadíssima, Nossa Bandeira É a Morte é também adorável. Ela tem um ar de produção lado B, feita sem grande orçamento, só para diversão. Muitas das cenas parecem propositadamente falsas. O navio dos piratas liderados por Bonnet, por exemplo, tem um tom de cenário de peça infantil, e o oceano, muitas vezes, não está muito distante do mar de celofane da capa do disco da Rita Lee e do Roberto de Carvalho.
Com isto, quero dizer que o grande trunfo desta série é que ela é completamente despretensiosa. Não há a intenção de criar algo magnânimo e genial que vá render muitos prêmios. A sensação é que David Jenkins (o criador de Nossa Bandeira É a Morte) e Taika Waititi simplesmente quiseram dar vazão a uma ideia louca que tiveram: concretizar suas fantasias sobre personagens piratas simpáticos e patetas. E o resultado não poderia ser mais encantador.
‘Nossa Bandeira É a Morte’: os piratas mais atrapalhados que você vai conhecer
https://www.youtube.com/watch?v=xFE8ASwxmpA
O charme de Nossa Bandeira É a Morte se centraliza, sem dúvida, no carisma do seu personagem principal. O pirata “por acaso” Stede Bonnet é vivido pelo ator neozelandês Rhys Darby, que parece perfeitamente escolhido para dar vida ao ricaço entediado com um casamento arranjado e que resolve deixar para trás mulher e filhos para se aventurar no mar.
A sensação é que David Jenkins e Taika Waititi simplesmente quiseram dar vazão a uma ideia louca que tiveram: concretizar suas fantasias sobre personagens piratas simpáticos e patetas. E o resultado não poderia ser mais encantador.
Com ar sempre meio apatetado, Bonnet é tão inadequado para a pirataria que montou uma biblioteca dentro do seu navio. Gentil e afeito às artes, ele proporciona cenas hilárias em que é confrontado para ser mais duro – o que, óbvio, nunca chega a acontecer de fato.
Aos poucos, entendemos, por conta de flashbacks e pela visita de alguns ex-colegas de infância de Bonnet, que ele sofreu quando pequeno por ser mais delicado e pouco agressivo, para desgosto de seu pai, que o ofendia por isso. Mais tarde, este passado será uma chave para entender os rumos que a série toma.
Stede Bonnet monta então um “staff” de piratas um pouco menos atrapalhados que ele, mas também capazes de atrair a simpatia de quem assiste. Dentre os personagens que se destacam na série, estão o sombrio Buttons (Ewen Bremner), um pirata escocês mais capaz de se comunicar com pássaros que com humanos, o afeminado Lucius Spriggs (Nathan Foad), o único pirata que sabe escrever, e a poderosa e assustadora Spanish Jackie (Leslie Jones), uma chefona pirata com 19 maridos que parece medir uns 3 metros e que coleciona narizes de seus desafetos.

É também impossível não mencionar a performance de Taika Waititi como o tresloucado Barba Negra, cujo mito antecede a própria realidade de sua violência. Na verdade, todo o tom em torno de Nossa Bandeira é a Morte parece conspirar nesta direção: desconstruir as fantasias em torno dos piratas.
Digo isto porque os temas deixam claro que os piratas estão no século XVII mas adequados às preocupações atuais. Para começar, a homossexualidade é tratada de maneira praticamente natural entre eles, como se fosse um não-tema. Mas há o empoderamento feminino das viúvas, os valores da amizade entre homens e um ator não-binário no elenco (Vico Ortiz, que é de Porto Rico e também performa como drag king).
Tudo isto torna Nossa Bandeira É a Morte uma diversão perfeita para passar o tempo quando você não está com cabeça para uma narrativa mais séria, e quer simplesmente dar algumas risadas. Simplesmente adorável – e imperdível.
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