Orange is The New Black tornou-se sucesso quando a Netflix disponibilizou, em 2013, sua primeira temporada no serviço de streaming. A série, que já foi tema da Escotilha em texto sobre suas duas primeiras temporadas (leia aqui), estreou a terceira no último dia dos namorados. Se OITNB conquistou o público com sua mistura de drama e comédia (ou “dramédia”), seu roteiro inteligente e personagens bem desenvolvidas e carismáticas, a última temporada era o ponto que faltava para gravar o nome do show na lista de seriados necessários aos amantes da teledramaturgia.
A ausência de filtros, citada no texto de Bruna Bottin, deixa de ser um artifício narrativo e torna-se uma estratégia comunicacional. Diferente do que, por exemplo, acontece em Sense8 – também da Netflix e analisada por Rodrigo de Lorenzi (leia aqui) -, na qual temas tabus são abordados de uma forma que, por vezes, parece sensacionalista, uma estratégia de marketing apelativo, que usa a polêmica como um chamariz de audiência (a versão cinematográfica do caça-cliques dos sítios de notícia), em Orange is the New Black a homossexualidade, o machismo, a depressão, o estupro e a transfobia (apenas para focar em alguns dos temas abordados na terceira temporada do programa) são problematizados, dando luz ao debate de assuntos de ordem maior (ou que assim deveriam ser).
Um dos maiores acertos de Jenji Kohan e seu time de roteiristas foi ter colocado de lado o romance entre Piper Chapman (Taylor Schilling) e Alex Vause (Laura Prepon), dando espaço ao segundo e terceiro escalões do elenco e, consequentemente, permitindo o melhor desenvolvimento das duas personagens envolvidas neste relacionamento. Chapman não é apenas a inocente e um tanto atrapalhada menina de família rica, que se envolveu com o crime levada por seu amor; Vause é mais que a vilã sem caráter e aproveitadora. Kohan trabalha no limite da própria dualidade humana, em que somos apresentados como bons e maus, corruptos e corruptíveis, magníficos e execráveis, amáveis e detestáveis. Desta forma, Orange is the New Black tornou-se mais humana e, por isso, mais próxima de nossa própria realidade.
Não obstante, Uzo Aduba, a carismática Crazy Eyes, ganha contornos mais “singelos”. Não nos encantamos mais somente com suas trapalhadas decorrentes de seu delicado estado mental. Ela deixa de ser apenas caricata, ganhando espaço pelo seu intelecto, sem que isso signifique o sumiço de seus hilários momentos de confusão e ingenuidade. O arco narrativo da personagem Dogget, que poderia soar exagerado, acaba fazendo sentido por ter sido conduzido ao longo dos episódios iniciais.
Kohan trabalha no limite da própria dualidade humana, em que somos apresentados como bons e maus, corruptos e corruptíveis, magníficos e execráveis, amáveis e detestáveis.
Tudo culmina com o (talvez melhor) episódio “We Can Be Heroes”, no qual não apenas os flashbacks do passado de Dogget contextualizam o ser humano que se tornou, mas a problematização dos temas abordados pelo roteiro de Sian Heder e conduzidos pelo diretor Phil Abraham – que empresta seu olhar único de quem foi diretor de fotografia por anos, tendo no currículo 47 episódios de The Sopranos -, nos fazem compreender também um pouco sobre os reflexos das experiências humanas em nossas vidas.
De alguma forma, todos personagens são obrigados a encararem suas essências, seus medos e a bestialidade humana, criando um cenário propício à discussão de bandeiras relevantes a todos. Com o maior cruzamento de histórias, os episódios passam a ser mais complexos e a espinha dorsal deles é o tema abordado. Assim, Caputo, Boo, Gloria, Red, Poussey, Daya e mesmo Soso recebem o mesmo destaque, evidenciando que (mesmo dentro de um presídio) precisamos de paciência e serenidade para compreender a multifacetagem das relações interpessoais.