A Apple TV+ tem muitas séries boas, mas é de Physical o lugar de pérola. Rose Byrne tem um trabalho que beira o impecável, com um texto que lhe ajuda. Na segunda temporada da série, finalizada recentemente na plataforma de streaming da maçã, Byrne eleva sua Sheila Rubin a níveis impressionantes.
Em especial porque a série passou por uma correção de rumo muito bem conduzida, que faz o show parecer mais leve que o ano anterior, enquanto arremessa o espectador em uma jornada emocionalmente muito intensa.
Com avaliações mistas da primeira temporada, Annie Weisman, criadora da série, não se fez de surda, tirando o transtorno alimentar de Sheila do centro da trama. Não foram poucas as pessoas que apontaram que isso induzia uma sensação de ansiedade e era carregada de esterótipos sobre esse grupo.
Então, a segunda temporada de Physical retorna com Sheila querendo construir uma marca em cima de seu trabalho. Ela já não está satisfeita em ser uma professora de aeróbica apenas, ela quer vender um estilo de vida baseado em amor próprio (e muito merchandising), algo que falta nela própria.
Seu transtorno alimentar está ali, mas Weisman consegue colocá-lo em segundo plano e mostrar que a protagonista sofria por sua vida, por sentir-se incompleta, infeliz, no casamento e na vida profissional. Não por acaso, ela se coloca em um relacionamento extraconjugal com Joh Breem (Paul Sparks), o dono do shopping em que ela dava aulas, um homem super religioso, que também enfrenta problemas em seu casamento.
Physical vai construindo uma trajetória que denota como a protagonista enfrenta seus dilemas mergulhando em relacionamentos que não lhe dão nada em troca.
Se ela deixa de recorrer aos motéis com sacolas de fast food, ela inclui Breem em suas escapadas. Muda o objeto, não a obsessão por fazer algo que a danifica. A comida na primeira temporada, a traição na segunda, ambos são sintomas de um problema muito maior que Sheila enfrenta.
Physical vai construindo uma trajetória que denota como a protagonista enfrenta seus dilemas mergulhando em relacionamentos que não lhe dão nada em troca, mas que ela, em seu turbilhão de sofrimento, acredita que precise encarar.
Ao mesmo tempo, é extremamente autoindulgente, a ponto de fragilizar sua relação com Greta (Dierdre Friel) e mesmo o casamento. Aliás, o arco de Danny (Rory Scovel) é gigantesco. O personagem arrogante, pedante e machista da primeira temporada faz uma jornada de compreensão sobre seus problemas.
Ele está disposto a ser o homem que sua mulher merece, e não o que ele acha que ela precisa – ainda que, em muitos momentos, esses conceitos se cruzem. A dinâmica entre o personagem de Scovel e de Byrne, que não funcionava tão bem na primeira temporada de Physical, retorna em outro patamar, com um grande come of age de Danny.
Uma delicada presença é a de Murray Bartlett (de The White Lotus), que interpreta Vinnie Green. Ele é tudo o que a protagonista quer ser, chegando ao ponto de se tornar uma quase obsessão dela. Sua contribuição ao show é mostrar a Sheila que há algo de errado com ela muito sério e que precisa ser tratado.
Na mesma medida que ela quer ser Vinnie Green (desse jeito, do modo mais irritante possível, repetindo o nome completo como uma marca), ela nota o quanto ele é quebrado por dentro, repleto de rachaduras emocionais que ficam escondidas sob uma máscara que ela só vê quando chega muito perto.
A série foi renovada pela Apple TV+ para uma terceira temporada. Isso é bom, porque Byrne não encarna uma mulher já empoderada e ciente de que deve ser o que quiser ser. Physical colocou a dona de casa na TV, a mãe, a esposa.
Podemos, sem dúvida, continuar questionando o fato de que essa dona de casa atende a um padrão distante da nossa realidade. Todavia, sua jornada é facilmente identificável em muitas mulheres, mesmo que elas sejam brancas e de classe média.
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