É bem provável que você lembre de Natasha Lyonne da série Orange is The New Black. Ela fazia uma personagem ácida, lésbica, malandra, com cabelo absurdamente despenteado em um grande nó que lembra cabelo de boneca velha – e, ainda assim, incrivelmente charmosa. Mas há uma curiosidade em torno dessa atriz: Natasha é a típica artista que parece sempre repetir, de alguma forma, o mesmo papel. Dito de outro modo, não podemos descrevê-la como versátil. A boa notícia é que, paradoxalmente, ela é incrivelmente boa dentro dessa mesma performance. Foi por isso que ela a repetiu em Boneca Russa e, mais recentemente, em Poker Face, série policial/cômica da Peacock e dirigida por Rian Johnson (do filme Glass Onion: Um Mistério Knives Out).
Poker Face dá a sensação de ser uma boa homenagem a séries de detetives cuja competência no trabalho se sustenta em alguma peculiaridade sua – como, por exemplo, Columbus e Monk. Natasha aparece como Charlie, uma moça (bem parecida à Nicky Nichols de OITNB) que transita despreocupadamente por um cassino, onde trabalha como uma espécie de garçonete sensual.
As coisas começam a mudar quando acontece: sua melhor amiga (vivida por Dascha Polanco, também egressa de OITNB) testemunha algum crime, não explicado ao público, enquanto trabalha no cassino. Ela logo vai contar aos dois chefes, Cliff (Benjamin Bratt) e Sterling Jr. (Adrien Brody) e acaba sendo morta por eles, junto com seu marido. O motivo do assassinato permanece um mistério.
Ocorre que Charlie tem um dom: ela consegue descobrir quando as pessoas estão mentido – e daí surge o título “poker face”, termo que remete ao talento que algumas pessoas têm, quando jogam pôquer, de não denunciar as suas cartas por meio de sua expressão facial. Ou seja, Charlie, embora seja uma reles mortal, tem um dom que é muito valioso aos donos do cassino. Logo descobrimos que ela é contratada por Sterling pai (vivido por Ron Pearlman e que quase sempre só aparece com a voz) na condição de que ela, com o seu poder, não estrague o seu negócio.
Mas é claro que as coisas, já no primeiro episódio, dão errado. A partir de então, Charlie precisa fugir para não ser morta. E é aí que a trama de Poker Face realmente começa.
Um charmoso programa detetivesco
Poker Face dá a sensação de ser uma boa homenagem a séries de detetives cuja competência no trabalho se sustenta em alguma peculiaridade sua – como, por exemplo, Columbus e Monk.
A partir do segundo episódio, Poker Face se torna uma série procedural com formato misto: ainda que haja uma grande trama que atravessa a temporada (a fuga de Charlie de seus algozes), cada um dos episódios gira em uma história específica em que ela acaba servindo, de forma acidental, como uma detetive que desvenda um crime.
Isso é construído por Rian Johnson, com a participação imprescindível de Natasha, de forma muito charmosa. A série configura em uma espécie de road movie com ares de western, em que a engraçada Charlie vai atravessando os recônditos dos Estados Unidos enquanto tenta escapar de criminosos. Sempre um pouco atrapalhada, ela acaba cruzando pelas estradas e nos bicos em que faz com pessoas mal intencionadas e que estão sempre dispostas a cometer assassinato.
Embora a qualidade das história oscile, de modo geral, o resultado é muito bom. Mas uma atração à parte nas tramas isoladas tem a ver com a presença no elenco de estrelas fantásticas, provindas certamente do círculo indie que cerca a super cool Natasha: gente como Nick Nolte, Chloe Sevigny, Joseph Gordon-Levitt, Ellen Barkin, Luiz Gusmán, Tim Meadows, Simon Helberg e Rhea Perlman. Não é pouca coisa.
Vale dizer que a série traz também algumas fragilidades de roteiro, ao deixar alguns pontos mal amarrados: afinal, qual foi o crime que a amiga de Charlie testemunhou? Outras pontas permanecem soltas, revelando alguma pressa em costurar as histórias com a trama principal da protagonista. O episódio final da primeira temporada, aliás, pode trazer alguma frustração aos espectadores.
Ainda assim, não dá para dizer que Poker Face se torne menos interessante por causa disso. Pelo contrário: sem dúvida, está entre os ótimos lançamentos dos últimos anos.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.