Ryan Murphy se tornou o maior gênio por trás das produções norte-americanas, mas mesmo tendo em seu currículo séries aclamadas por um tempo, como Nip/Tuck, Glee e American Horror Story, o roteirista e produtor se firmou mesmo como o queridinho da crítica com American Crime Story: The People vs. O.J. Simpson eThe Normal Heart, telefilme da HBO que abordou o início da epidemia da AIDS.
O sucesso foi tanto que ele acabou fechando um acordo milionário com a Netflix e passará a produzir conteúdo exclusivamente para a plataforma, abandonando, por enquanto, sua longa trajetória em canais abertos e fechados (as séries em andamento vão continuar). Antes disso, porém, ele fez mais uma pequena pérola para seu currículo. Pose, do FX, é um presente para o público LGBTQ+, mas faz mais. Com o maior elenco transgênero da história da televisão, Pose também vai reverter toda a sua renda para a comunidade, financiando projetos de educação e saúde, como combate ao HIV. Representatividade de verdade.
Pose se passa no finalzinho dos anos 1988 e, tal como o documentário Paris Is Burning, segue a comunidade LGBT+ com foco na cultural ball. As balls eram competições feitas em discotecas, geralmente organizadas por drag queens. Nessas competições, as candidatas caminham pelo salão desfilando looks que precisam ter a ver com o tema escolhido na noite. É igual RuPaul’s Drag Race, mas se o reality foca mais na competição, Pose mergulha no histórico e na importância desses bailes até hoje.
O resultado é uma série catártica que exige empatia do público.
A maioria dos participantes das balls fazia parte de “casas”, lideradas por “mães”, que forneciam não apenas um teto, mas proteção e educação. Marginalizados pela sociedade e pelos próprios pais, que geralmente os expulsava após descobrirem que eram gays, essas pessoas encontravam na comunidade o amor que precisavam. As balls eram uma forma de resistência.
É nesse universo que Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals, os criadores da série, passeiam em seus oito episódios. Embora pesem a mão no melodrama e nos diálogos expositivos, tudo na série funciona. É quase como um alento para um público que ainda está longe, bem longe de viver no arco-íris. Extremamente coerente em sua trajetória na tevê, Ryan Murphy parece reunir em Pose tudo o que aprendeu em suas outras produções focadas no público LGBTQ+.
O resultado é uma série catártica que exige empatia do público. Todos os personagens soam reais, inspiradores e comprometidos com seus papéis. Blanca Evangelista (Mj Rodriguez), personagem que decide abandonar sua “casa” para fundar seu próprio nome e seus próprios “filhos”, emociona cada vez que aparece em cena. Com um olhar doce e ao mesmo tempo sofrido, Blanca é a personificação de tudo aquilo que alguém marginalizado sonha: proteção.
Tal como The Normal Heart, que considero sua obra-prima, Ryan Murphy conta o passado para entender o presente. Sempre com um viés político e diálogos pertinentes, Murphy consegue até mesmo inserir Donald Trump na história, quando este ainda era apenas um empresário poderoso. A série faz um panorama interessante entre o mundo classe média branca dos EUA com a cena underground. A série ainda brilha ao mostrar o drama do HIV em uma época tão cruel, quando pessoas eram praticamente jogadas no cemitério ao receber o diagnóstico.
Sem medo de soar novelesca, Pose fala sobre representatividade. Essa palavra, que às vezes fica somente no campo da morfologia, ganha força não somente pelos profissionais que fazem a série, mas pela celebração de uma cultura que merece ser relembrada sempre. E lembrar, cada vez mais, parece ser o único exercício possível para não cometermos os mesmos erros.