Os anos 1990 foram marcados por uma invasão de filmes adolescentes do estilo slasher, assassinos que saem correndo para matar suas vítimas. Isso começou bem antes, se popularizando em 1973 com O Massacre da Serra Elétrica, seguido por Natal Negro (1974), Halloween (1978), A Morte Convida para Dançar (1980), A Hora do Pesadelo (1984) e outras diversas produções que foram febre na década de 1970 e 1980. A grande volta desse gênero foi graças ao inteligente roteiro de Kevin Williamson, que resolveu escrever uma história sobre como se faz esse tipo de filme.
Pânico estreou em 1996 e foi dirigido por um dos diretores mais respeitados, Wes Craven, nada menos do que o criador de Freddy Krueger em A Hora do Pesadelo. O que fez do longa um sucesso absoluto de público e crítica foi utilizar de forma brilhante a metalinguagem, satirizando os clichês de filmes de terror adolescentes. Assim, enquanto víamos diversos personagens sendo mortos, o longa explicava as regras para se sobreviver a um filme desse tipo: não transe, não seja a loira indefesa, não diga “volto já” e, acima de tudo, não suba as escadas da sua casa quando você pode abrir a porta da frente. Além disso, Pânico conseguia equilibrar de modo exemplar o suspense com a comédia, utilizando referências da cultura pop e inaugurando uma nova onda de produções do gênero (além de sua própria franquia), como Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997).
No filme original, um serial killer e fanático por filmes de terror vem assustando uma pequena cidade fictícia na Califórnia, chamada Woodsboro. Primeiro, ele telefona para alguém fazendo perguntas sobre filmes de terror. Se a personagem errar a resposta, ele invade a casa e a esfaqueia. Ninguém consegue identificá-lo, já que ele usa máscara de fantasma (que se tornou um ícone da cultura pop). A protagonista se chama Sidney Prescott (Neve Campbell), que vê seus amigos sendo assassinados um a um enquanto o serial killer tenta matá-la.
Se antes o único recurso do assassino era o bom e velho telefone, agora temos smartphones, Facebook, Twitter e toda a parafernália tecnológica, algo que, se usado de forma sábia, pode trazer ótimos momentos.
Após três filmes e uma das franquias mais lucrativas do cinema, a MTV decidiu produzir uma série baseada em Pânico. Scream estreou com uma audiência baixa, mas o canal já a renovou para uma segunda temporada, sinal de que a emissora aposta no saudosismo dos fãs. A história segue as mesmas fórmulas de seus criadores, e embora vejamos os nomes de Kevin Williamson e Wes Craven nos créditos, não são eles que estão à frente do projeto, algo bem visível já nos seus primeiros episódios. Na nova trama, tudo começa quando um vídeo de duas meninas se beijando, filmado por um grupo de adolescentes, se torna viral na internet. Após a divulgação do vídeo, uma série de assassinatos começa a acontecer na cidade de Lakewood. Ao invés de Sidney Prescott, temos Emma (Willa Fitzgerald), que também tem uma mãe que pode ser o motivo de todo o massacre.
A série, criada por Jill Blotevogel, Dan Dworkin e Jay Beattie, tem o cuidado de manter o que fazia Pânico ser relevante: o uso da metalinguagem. Talvez, o que mais chame atenção nesse projeto é até onde uma produção seriada poderia ir com esse plot de um mascarado perseguindo suas vítimas. Funcionaria em um formato “morte da semana”, mas também gritaria a falta de criatividade. Assim, os roteiristas revolvem essa questão logo de cara, com um personagem que terá o papel de mostrar ao telespectador como tudo será feito.
Algumas receitas já foram divulgadas: ao invés da matança geral, a série precisará construir vínculos com o telespectador. Já no primeiro episódio, os personagens dizem que seria impossível produzir uma série desse gênero, porque filmes de terror são curtos e um seriado precisa ser esticado. Dessa forma, o público já entende que Scream sabe de suas limitações e vai brincar com isso durante seus 10 primeiros episódios. Os diálogos continuam afiados e provocativos.
Ao invés de “qual o seu filme de terror favorito”, temos, agora, “qual sua série favorita?”. Se antes o único recurso do assassino era o bom e velho telefone, agora temos smartphones, Facebook, Twitter e toda a parafernália tecnológica, algo que, se usado de forma sábia, pode trazer ótimos momentos. Outro grande acerto é entender quem é o público-alvo de Scream. Assim, referências a Hannibal, American Horror Story, Scandal e How To Get Away With Murder estão lá, com uma linguagem rápida, jovem e esperta.
As homenagens ao original também se fazem presente, algo que diverte, ainda que tenha um prazo de validade visível para esse tipo de brincadeira. Obviamente que o ritmo é mais lento em relação aos filmes, mas os mistérios e a tensão, ainda que previsíveis, são bem eficientes, emulando a sensação de uma produção dos anos 1990. A primeira morte, por exemplo, é excelente ao remeter ao clássico de 1996, já estabelecendo o clima da série. Os personagens são estereotipados até o último fio de cabelo, mas esse era um dos muitos acertos de Pânico. Ao não se levar a sério, os filmes escancaravam o modus operandi de se fazer cinema para adolescentes.
Porém, mesmo com todos esses acertos, Scream comete um erro básico e extremamente grave: praticamente todo elenco é fraco. Se em muitas produções os atores e seus personagens acabam salvando o filme/série de um roteiro mediano, em Scream a inexperiência de todos salta aos olhos. Enquanto a atriz Neve Campbell, que vivia Sidney nos cinemas, era complexa, interessante e sombria, a protagonista da série é frágil, sem sal e não empolga. E isso se estende ao resto do elenco. Se fosse em um filme, já seria um pouco grave, mas até justificável, visto que só entrariam em cena pra morrer.
Em uma série de TV, onde o propósito é que criemos laços com essas pessoas, escolher atores ruins pode acabar minando qualquer sucesso. Outro fato que pode complicar a série é a estreia de Scream Queens, em setembro pela FOX, que tem uma proposta parecida e ainda conta com o texto ácido de Ryan Murphy, além da presença de Jamie Lee Curtis, a estrela de Halloween. As comparações serão inevitáveis.
Porém, não deixa de ser uma bela surpresa constatar que a série é competente naquilo que se propõe: atualizar a franquia, tomando cuidado para não ofender o original. Outras séries vêm fazendo um ótimo trabalho tendo a mesma proposta, como Bates Motel e a recém-cancelada Hannibal. Seria impossível não cobrar da série a mesma competência e inteligência com as quais os filmes foram feitos. O que fizeram dos longas um sucesso estão ali: personagens propositalmente caricatos, metalinguagem, mortes criativas, perseguições e muitos suspeitos para o espectador tentar adivinhar quem é o assassino.
Caso a série consiga manter um padrão aceitável, será uma produção divertida e curiosa de se seguir, ainda que não seja nada que vá revolucionar a MTV, canal não muito bem recomendado quando o assunto é série, mas que pode gerar novos fãs da franquia e trazer de volta os saudosos pelo Ghostface.
Em tempo, a MTV precisou mudar a icônica máscara original do assassino por não deter os direitos dela. Ainda assim, a nova versão parece bem mais macabra.