Não são poucas as pessoas que dizem não ver graça em Seinfeld, série que é um marco indiscutível no humor televisivo. Feita num período pré-internet e anterior às plataformas de streaming, é compreensível a estranheza – o que de longe não significa que estão certos.
Além de comodismo do público mais jovem, a ganância dos detentores dos direitos da série e a letargia das plataformas em disponibilizá-la, a distância temporal e a profusão de produções surgem como obstáculos a que mais gente se renda a esta “série sobre o nada”.
Com a proximidade do fim do ano, seriados costumam produzir seus especiais de Natal e Ano Novo. Ao longo de nove temporadas, a série criada por Jerry Seinfeld e Larry David entregou grandes episódios do gênero. “The Strike”, curiosamente gravado na última temporada, pode ser encarado como a síntese do que o seriado representa.
“The Strike” nos deu o Festivus
Não se assuste se ouvir que os adultos na faixa acima dos 40 anos celebram o Festivus no dia 23 de dezembro. A razão é Seinfeld e o episódio “The Strike”, que foi ao ar como especial de Natal da última temporada do programa.
No episódio, exibido há quase 25 anos, é apresentada a versão de uma celebração criada por Frank Constanza, pai de George (Jason Alexander), personagem do ator Jerry Stiller (falecido em 2020).
A ideia era comemorar o fim de ano sem o envolvimento com a parte comercial das festas: ao invés de uma árvore de Natal, um poste de metal, sem decoração, em que as pessoas podiam expressar suas queixas e celebrar suas proezas.
Certos elementos tornam o episódio primoroso, como ter dado pontapé em uma espécie de feriado alternativo que virou um fenômeno cultural mundial. O roteiro de “The Strike” foi redigido por Dan O’Keefe, que se baseou na tradição criada por seu pai, ex-editor da Reader’s Digest. Sem trabalhar unicamente a celebração, O’Keefe entrelaçou histórias impactantes de Elaine e Kramer com o Festivus.
O episódio figura na lista de vários fãs, especialmente por conseguir condensar uma quantidade inimaginável de piadas em apenas 22 minutos.
Há um fundo sociológico na celebração apresentada no seriado. O pai de O’Keefe desenvolveu novos significados para o Festivus como parte de pesquisa para o livro que publicaria em 1983, Stolen Lightning, uma exploração sobre como a astrologia, os cultos e o sobrenatural agem como defesa contra as pressões sociais. Era uma tentativa de criar um cruzamento com Formas Elementares da Vida Religiosa, de Émile Durkheim, que afirma que a religião é a projeção inconsciente do grupo.
O episódio figura na lista de vários fãs, especialmente por conseguir condensar uma quantidade inimaginável de piadas em apenas 22 minutos. Uma perfeita ode à desfuncionalidade da temporada de feriados.
Parte das “tradições” que são apresentadas foram inspiradas na peça teatral Krapp’s Last Tape, escrita por Samuel Beckett. Já o nome do “evento” buscou no latim acrescentar tradição. E outro feito impressionante é quando “The Strike” caminha para o fim. Em de pouco mais de três minutos, que é o tempo de duração da cena em que os Contanza comemoram o feriado, o ápice do talento em duas frentes: um texto afiado e um elenco de primeira.
Momentos marcantes do episódio
Elencamos alguns dos momentos que consideramos mais marcantes em “The Strike”. Confira.
- Kramer retorna ao trabalho na H&H Bagels, após 12 anos de greve (strike, em inglês), mas rapidamente desiste ao ser informado que não poderá deixar de trabalhar para ir à celebração do Festivus, entrando novamente em greve;
- George é obrigado a levar o chefe para comemorar o Festivus com sua família quando este descobre que a instituição de caridade The Human Fund, para a qual havia dado um cheque de US$ 20 mil, não era real. Constanza havia inventado a história para não ter que presentear os colegas de trabalho;
- Kramer, certamente o personagem mais desajustado do quarteto, interrompe o discurso de Frank Constanza e diz que vai retornar para a H&H, não sem antes dizer que o Festivus era meio sem pé nem cabeça, mas fazendo isso usando seus trejeitos característicos;
- O monólogo de Frank antes de iniciar a “ceia” do Festivus. Ele começa a parte das queixas, dizendo que tem problemas com as pessoas presentes e que elas agora terão que ouvir. Por quem ele inicia? Pelo chefe de George. Uma das sequências mais hilariantes de Seinfeld;
- A sequência no café, logo após Frank ser convencido por Kramer a tornar a comemorar o Festivus, em que ele entra com o poste de metal e um aparelho de som. Ao dar play, ouvimos uma gravação de uma noite de Festivus, com as tradicionais ofensas de pai e filho.
“The Strike” pode ser assistido na Netflix, que detém todas as temporadas em seu catálogo.
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