O que mais pode ser dito sobre Stranger Things, nova série da Netflix disponível para os assinantes desde o último 15 de julho? Além de ter se tornado a produção de maior sucesso do serviço de streaming até o momento, ainda conseguiu ultrapassar Game of Thrones como a série mais popular do IMDB, maior banco de dados de filmes e séries da internet. Diversas análises foram feitas, desde referências cinematográficas, literárias e até mesmo sobre algoritmos. Stranger Things é um daqueles casos que provam a força da televisão como produto cultural.
A série é uma grande homenagem aos filmes de terror e suspense dos anos 1980 e início dos anos 1990, como Poltergeist, E.T, Conta Comigo e muitos outros. Tudo isso você já deve ter ouvido falar. Mas boa parte do sucesso da série se deve a duas estratégias utilizadas de forma muito inteligente. Primeiramente, a série é um míssil que atinge o imaginário social coletivo em cheio. Também, Stranger Things remonta a um tempo em que a televisão era pura e simplesmente uma ferramenta de entretenimento, bem mais inocente, menos complexa e divertida. Então, quando um produto consegue abrir o reservatório de imagens, sentimentos, lembranças e leituras de vida de milhares de espectadores, o impacto é forte. Stranger Things permite que adultos voltem a ser crianças e abram aquele velho álbum de fotografias.
Se você entrou em coma ou não abriu nenhum site de notícias ultimamente, aqui vai uma pequena sinopse. Situada no interior de Indiana, em 1983, a história inicia com o desaparecimento de Will (Noah Schnapp), um menino de 12 anos. Enquanto a mãe do garoto, Joyce (Winona Ryder) e o seu filho mais velho Jonathan (Charlie Heaton) tentam entender o que aconteceu, o chefe de polícia Hooper (David Harbour) inicia uma investigação e se depara com experiências secretas conduzidas pelo governo numa base militar no subúrbio da cidade. Ao mesmo tempo, os amigos de Will – Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin) – tentam localizá-lo por conta própria, mas acabam encontrando Eleven (Millie Bobby Brown), uma menina misteriosa, com estranhos poderes. Para completar a história, há ainda um grupo de adolescentes que se juntam na busca pelo garoto e nos lembram daqueles saudosos filmes de terror nos quais a punição para adolescentes que transavam era a mais dolorosa morte por um assassino sanguinário.
Ao apresentar um escapismo fácil, nostálgico e elegante, a série se torna um alívio.
A série é criação de Matt e Ross Duffer, os Duffer Brothers, que investem pela primeira vez em uma série só deles (antes eles haviam desenvolvido alguns episódios para a fraca Wayward Pines). Stranger Things é essencialmente familiar, ao mesmo tempo em que fala de aventura, terror e suspense, fazendo da série a dita “produção para toda a família”, mas sem se tornar uma produção tosca. Assim, muito do que é visto na tela está longe de ser original.
Não há um momento extremamente inspirado ou genial ou personagens muito complexos. Mas surpreendentemente a falta de originalidade é o seu maior acerto, já que ao emular a televisão e o cinema dos anos 80, os irmãos conseguem criar um produto novo que se utiliza do clichê da forma mais esperta possível. É como se assistíssemos a uma série ou a um grande filme de 80 horas produzido em 1983, mas com a qualidade técnica atual e o prestígio que a televisão alcançou mais de 30 anos depois.
E há muitas maneiras de curtir Stranger Things. Quem nasceu naquela época poderá ter um impacto maior ao lembrar dos filmes vistos no cinema, quando, de fato, séries e longas-metragens eram válvulas de escape para um período difícil, tanto nos Estados Unidos, com a “segunda” Guerra Fria, quanto no Brasil, com a ditadura militar. A série não faz apenas o adulto de hoje lembrar da Sessão Tarde, mas também da busca por caminhos que conduziam à superação da realidade.
Há aqueles que não viveram realmente os anos 1980, mas encontravam nas videolocadoras e canais de TV os clássicos que eram repetidos incansavelmente e que reverberaram por muitos anos depois, especialmente no comecinho dos anos 90. E há quem nunca teve contato com nenhuma dessas coisas e já nasceu na era do DVD, mas que graças ao bom roteiro da série, sai fisgado por uma história de monstro e amizade.
Mas a verdade é que Stranger Things acabou se tornando a série atual mais fácil de se gostar, justamente porque traz elementos básicos de uma narrativa que funciona bem quando trabalhada de forma eficiente, porque resgata memórias poéticas, além de unir uma saudosa geração que acaba obtendo uma sensação de pertencimento.
Tal como as produções dos anos 80, Stranger Things cativa por mostrar a força do amor, da família e dos amigos junto com muito colorido, monstros nojentos e situações absurdas. E.T nos falava que alienígenas podiam ser nossos amigos e que ser diferente era uma coisa boa; Cocoon dizia que envelhecer não era o fim e que não devemos ter medo da morte; De Volta para o Futuro marcou uma geração dizendo que você podia mudar seu futuro. O show dos irmãos Duffer junta tudo isso e mais um pouco.
Se atualmente a televisão ocupa o berço da criatividade, também oferece uma dose forte de realidade. Para os EUA (e como temos visto, para qualquer país), o mundo se tornou bem mais perigoso após os atentados de 11 de setembro. Com notícias cada vez mais alarmante sobre atentados ao redor do planeta, a televisão oferece noites ainda mais aterrorizantes em séries como Breaking Bad, Game of Thrones, The Wire, Homeland, 24 Horas e por aí vai. São produções excelentes, que fazem refletir, mas é justamente por isso que Stranger Things faz sucesso, porque ela é feita apenas para se divertir. Ao apresentar um escapismo fácil, nostálgico e elegante, a série se torna um alívio.
A série mostra que amizades e relações humanas não precisam ser tão complexas, dolorosas e confusas, mas que se conectar com outro ser humano pode ser um bálsamo, um alívio em meio à confusão do cotidiano. Assim, Stranger Things não quer problematizar nada, mas apenas contar uma história inocente sem enganar seu público. Toda a reação vista após o lançamento da série é a prova de que os criadores sabiam exatamente o que fazer. Resta aguardar a segunda temporada, quando a novidade passar e a série precisar andar com uma linguagem própria.