Algumas séries têm obrigação de serem boas, não só pela expectativa que causa no público, mas pelas suas credenciais. Com uma porção de cineastas buscando mais liberdade criativa na televisão, é de se esperar algo acima da média. Bons exemplos não faltam: Boardwalk Empire (2010-2014), dirigida e produzida por Martin Scorsese, foi aclamada pela crítica e com razão; os irmãos Coen adaptaram seu filme Fargo para a TV e foram muito felizes na execução (você pode ler a análise da série aqui). David Fincher é produtor-executivo da elogiadíssima House of Cards. Ano que vem teremos Woody Allen à frente de sua primeira experiência na televisão e as expectativas são altas. Embora essas séries não necessariamente mudem a sua vida, você aguarda o mínimo de qualidade no texto, na direção e na escalação dos atores.
Dito isso, foi com curiosidade e esperança que fui assistir a The Strain (transmitida nos EUA e no Brasil pelo canal FX), adaptação da série literária Trilogia da Escuridão escrita por Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno, A Espinha do Diabo) e o romancista Chuck Hogan, que também assinam a produção da série, além de serem co-roteiristas e de vários episódios serem dirigidos pelo próprio del Toro. Ainda, Carlton Cuse, um dos cérebros por trás de Lost, é o produtor principal.
Mas alguma coisa tinha que estar errada com essa série. Em 2006, del Toro já havia tentado vender a ideia para a FOX, que a rejeitou. Ele, então, partiu para a produção dos livros, juntamente com Logan, obtendo relativo sucesso de público e crítica. Com o burburinho em cima dos livros, o FX se interessou e decidiu produzir The Strain. E foi com uma desagradável surpresa que constatei que a série não é só ruim, como parece ter sido feita por amadores que não sabem se mover no terreno dos clichês.
A história começa com um estranho incidente envolvendo um avião que acaba de pousar no aeroporto JFK, em Nova York. Ninguém consegue estabelecer comunicação com o boeing, todas as janelas estão fechadas e as luzes, desligadas. Para lidar com a situação, é chamado o Centro de Controle de Doenças – CDC, comandado pelos epidemiologistas Ephraim Goodweather (Corey Stoll, o Peter Russo, de House of Cards, surpreendentemente em péssima atuação) e Nora Martinez (Mía Maetros, também péssima), que tentam entender o que aconteceu com os mais de 200 passageiros do voo. Mais tarde descobrimos que trata-se de uma epidemia de vampirismo e logo a praga se assola por toda Manhattan. Entra em cena, também, um senhor chamado Abraham Setrakin (David Bradley o Sr. Filch da saga Harry Potter), um sobrevivente do Holocausto que imigra aos EUA após a Segunda Guerra Mundial e é o único que pode dar respostas sobre a epidemia.
O episódio piloto engana bem. Com uma direção segura de del Toro, a série apresenta seus personagens com calma, o tom sombrio envolve o público e temos a impressão de que algo terrível vai acontecer a qualquer momento (algo crucial para um bom suspense). O roteiro se leva bem a sério, a fotografia é sempre escura, às vezes em tom esverdeado assustador, e logo de cara percebemos que o diretor quer brincar com as cenas de filmes de terror B. Del Toro, aliás, já estava familiarizado com a direção de histórias de vampiro pela sua experiência em Blade 2 (2002). O episódio traz planos interessantes e travellings que mais parecem uma produção cinematográfica, algo que chama muita atenção em sua estreia. Mas logo no primeiro episódio já podemos ver uma falta de cuidado na construção dos diálogos (“Esse avião parece um animal morto”), com insistentes repetições de que algo está errado, que não é normal, que eles precisam ter muito cuidado (“Eu nunca quis machucar as pessoas”).
Se o problema fosse apenas a falta de cuidado aqui ou ali, tudo seria perdoável, mas a série comete o mais grave dos defeitos: apresenta protagonistas nada carismáticos, muito pelo contrário, extremamente irritantes.
Temos, então, o médico (que poderia ser qualquer detetive de série policial), alcoólatra, que trabalha demais e não tem tempo para a família, além de ser o cético que não aceita nada que não seja provado pela ciência; a mulher do médico, que já está cansada da situação e pede o divórcio; o filho do casal, uma criança fofa que inevitavelmente vai atrapalhar o andamento da série; a parceira do médico, que não acha certo matar vampiros porque eles ainda são pessoas (que inédito!), o velho sábio que entende o que está acontecendo, mas ninguém acredita nele até algo grave acontecer, além de uma porção de personagens que entram na história para ser o alívio cômico ou apenas para morrer, mas que tomam boa parte dos 13 episódios.
Se o problema fosse apenas a falta de cuidado aqui ou ali, tudo seria perdoável, mas a série comete o mais grave dos defeitos: apresenta protagonistas nada carismáticos, muito pelo contrário, extremamente irritantes. Todos os personagens são estereotipados, maniqueístas e exagerados, as reações são as mais incoerentes possíveis, a trama familiar, além de ser rasa e sem emoção, não vai para lugar algum e a as atuações do restante dos personagens, que poderiam salvar o desastre do elenco principal, conseguem ser ainda mais caricatas. O único que se salva é o personagem de Bradley. Como um caçador de vampiros, o ator consegue empregar uma complexidade interessante, além de ter uma atuação para lá de satisfatória.Mas, talvez, o pior de tudo seja a direção pífia que salta aos olhos, ainda mais com o nome de del Toro envolvido. Veja bem: Nova York está mergulhada em uma epidemia vampiresca. Em algumas cenas, vemos a cidade em completo caos, com pessoas saqueando lojas e correndo em pânico. Na cena seguinte, vemos parte da população andando tranquilamente pelas ruas enquanto os personagens principais correm contra o tempo para completar uma missão que nem eles mesmo sabem como farão. Em determinado episódio, uma hacker tem a brilhante ideia de colocar o protagonista em rede nacional para que ele faça um pronunciamento a fim de alertar a população sobre o que está acontecendo. Pois bem, a repercussão disso é nula, com cenas que se fossem retiradas do roteiro não fariam a menor diferença.
Para evitar que o nosso irritante protagonista Ephraim consiga realizar algo para acabar com a disseminação da epidemia, a Stoneheart Group, organização responsável por toda a tragédia, faz com que ele seja procurado pelo FBI, só que isso parece ser esquecido no decorrer dos episódios, porque Ephraim anda, corre, atravessa a cidade sem nenhuma dificuldade, embora isso seja explicado em diálogos como: “A polícia está muito ocupada no momento para pensar em mim”. Além disso, a tal organização mega poderosa não mostra ao público de onde vem tanto poder ou porque ela tem influência até em decisões governamentais. Não é como se estivesse subentendido. Simplesmente não é entendido.
Embora os efeitos especiais mostrem claramente o alto investimento do canal FX, a direção de arte falha de uma maneira vergonhosa quando apresenta o grande vilão da série, mais parecendo um boneco de Halloween do que propriamente o mestre vampiro assustador. Os outros vampiros têm uma caracterização que foge do comum e é grotesca, mas parecem muito mais zumbis do que sugadores de sangue, mesmo que a forma como eles se alimentam seja bem interessante.
Com as ações dos personagens que mais parecem sair de um jogo de videogame de tão absurdas (em determinado momento o pai decide levar o filho para a batalha a fim de protegê-lo, porque obviamente levar uma criança para o meio do confronto é a decisão mais sábia a se tomar), a série se sustenta por toda a publicidade feita em volta do nome de del Toro.
A season finale ainda apresenta um desfecho desanimador e deixa ganchos não muito fortes para a próxima temporada. Parecendo uma cópia menos interessante de The Walking Dead, o primeiro ano termina deixando a pior sensação para quem acompanha uma produção com quase 520 horas de duração: uma total perda de tempo.
A série, que foi um sucesso de audiência, já está renovada e deve estrear nos EUA em agosto. No Brasil, ainda não há previsão.