Não é novidade que a indústria do entretenimento tem um público primordial: os jovens. São eles a mola propulsora da cultura pop. Basta verificar quais são os filmes de maior bilheteria, as séries mais assistidas ou quem são os recordistas nas plataformas de streaming de música. Percebe-se, no entanto, um movimento paralelo: a busca pela segmentação, por atender outros nichos de público. A dramédia Uncoupled, lançada pela Netflix há algumas semanas, é prova disso.
Voltada primordialmente ao público gay masculino, a série tem a assinatura de Darren Star, criador de Sex and the City, e Jeffrey Richman, roteirista de Modern Family. Eles buscam contemplar um recorte de audiência ainda mais específico: homossexuais maduros, a partir dos 40, 50 anos, deixados de fora pela maior parte das produções LGBTQIA+ atualmente em cartaz, como Heartstopper e Love, Victor, voltadas a jovens gays que estão descobrindo sua sexualidade.
Uncoupled, por sua vez, retrata a geração que iniciou sua vida afetiva e sexual entre os anos 1980 e 1990, sob o fantasma da Aids, e batalhou por maior visibilidade e direitos, mas acabou um tanto preterida pela indústria cultural, sem se ver representada por uma indústria de entretenimento que parece ter olhos apenas para quem têm menos de 30 anos.
No centro da trama da série, está Michael (Neil Patrick Harris, de How I Met Your Mother), corretor de imóveis nova-iorquino que se vê abandonado, de uma hora para outra, por Colin (Tuc Watkins, de Os Rapazes da Banda), com quem mantinha uma relação estável há 17 anos. Solteiro de novo, Mike precisa entender e se adaptar a uma nova realidade no meio homossexual. Entre as “novidades” que tem de encarar, estão os aplicativos de encontros, que aceleraram – e muito – a dinâmica dos relacionamentos (não apenas entre os gays) e o PrEp, comprimido que impede que o HIV se instale no organismo.
Como em Sex and the City, Darren Star faz um recorte sociocultural bem específico, elitista. A série se passa em Manhattan, Nova York, e os personagens, quase sem exceção, são bem de vida, se vestem de forma elegante, com roupas de marca, e frequentam lugares sofisticados. Enfim, não representam um universo tão significativo da comunidade LGBT nem nos EUA nem ao redor do mundo. Ainda assim, os questionamentos propostos pela série são pertinentes e não há como não se identificar.
Michael volta, após muito tempo, a frequentar boates e bares gays, que já não são mais os mesmos. Ele conta com a força de três amigos – a hilária Suzanne (Tisha Campbell, de My Wife and Kids), mãe solteira de um jovem adulto e sua colega de trabalho; Stanley (Brooks Ashmankas, de Julie e Julia), dono de uma galeria de arte, gordinho e bastante carente; e o “homem do tempo” (Emerson Brooks, de Queens), um cara “pegador”, mais familiarizado com as regras sexuais e amorosas mais contemporâneas.
Como em Sex and the City, Darren Star faz um recorte sociocultural bem específico e elitista. A série se passa em Manhattan, Nova York, e os personagens, quase sem exceção, são bem de vida, se vestem de forma elegante, com roupas de marca, e frequentam lugares sofisticados.
Ainda apaixonado pelo ex, que nunca explicou por que quis se separar, Mike tenta se habituar à nova vida de solteiro, paquerando e fazendo a fila de sua vida afetiva andar, em situações que transitam entre o drama e a comédia. Algumas funcionam, outras nem tanto – há uma certa artificialidade incômoda, anacrônica, herdada de Sex and the City.
Neil Patrick Harris tem um bom timing para comédia e é um ator versátil, não limitado a um gênero apenas. Seu Michael, em sua dor histriônica, pode ser bastante engraçado, mas também irritante, por quase sempre estar um tom acima, e “sugar todo o ar da sala”, como ele mesmo admite.
Essa dicotomia costuma render bastante em uma produção como Uncoupled, que conta ainda em seu elenco com a participação de Marcia Gay Harden, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante por Pollock. Ela vive Claire, milionária que, como Mike, foi abandonada e agora pretende começar de novo, vendendo o seu luxuoso apartamento – adivinhe quem é o corretor a quem ela recorre e de quem acaba ficando best friends? As cenas entre ela, Mike e Suzanne rendem bons momentos à série, que não deve enfrentar problemas para emplacar uma segunda temporada, mas vai precisar cair um pouco mais na real.
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