As séries de humor vêm quebrando inúmeras regras, ultrapassando o “fazer rir” e chegando cada vez mais perto de fazer ruminar, como aliás é premissa do humor: refletir o “mundo real”. Há quem chame isso de problematizar, mas prefiro (e considero mais justo) chamar de humor moderno, mais conectado com a mensagem que transmite do que, necessariamente, com fazer rir (e ter audiência).
Veep é e sempre foi um destes seriados e, apesar de dificuldades nesta última temporada, segue estabelecendo um novo padrão no humor televisivo. Obviamente ela não está só (recomendo a leitura deste artigo da Variety sobre o assunto – em inglês), mas a sátira com o mundo político parecia em um círculo vicioso, uma eterna confusão entre o excesso de crítica ou o humor pastelão. Julia Louis-Dreyfus usou seu talento aliado ao excelente roteiro para criar uma série em que cada piada tivesse a dose certa de crítica, mas também soubesse fazer rir. Um equilíbrio raro no humor televisivo dos últimos 20 anos, diga-se.
Há quem aponte menos doses de humor já na quinta temporada, que teria ficado mais evidente na sexta temporada, em especial pela dificuldade da equipe de produção em lidar com o desenvolvimento da história de Selina Meyer, a personagem que rendeu à Julia nada menos que cinco Emmys de melhor atriz em série de comédia. Isso seria resultado da entrada de David Mandel como showrunner no último ano. Na realidade, Veep passa por um momento de transição saudável. Com Donald Trump na presidência no mundo real, desvincular a imagem da personagem da Casa Branca foi um grande acerto por tirar um peso gigante das costas e procurar alívio em outras freguesias. Ainda por cima, é importante lembrar que Selina é uma democrata nada ortodoxa. Suas gafes, seus preconceitos e sua inabilidade política, inclusive, lembram muito mais os republicanos (como o é Trump, por exemplo).
Acompanhar a vida de Selina com a derrota nas eleições, ocorrida na quinta temporada, teve pontos altos, ainda que distante do que nos acostumamos. A falta de filtro social seguiu sendo o ponto forte de Selina e o que garantiu uma virada necessária à trama na segunda metade da temporada. Ainda por cima, vimos Jonah Ryan, interpretado pelo excelente Timothy Simons, ganhar mais espaço, tornando-se um deputado e agindo no melhor estilo “eu não sei o que estou fazendo aqui”. Do anterior elenco de suporte à Julia, Simons sempre teve o melhor personagem, justamente por ser o menos caricato.
A falta de filtro social seguiu sendo o ponto forte de Selina e o que garantiu uma virada necessária à trama na segunda metade da temporada.
A série optou em usar a não estada na Casa Branca para desenvolver as histórias dos personagens nesta vida pós-Selina. Como não podia deixar de ser, a vida de cada um deles se tornou um pesadelo, dando elementos suficientes para desenvolver (e estender) a trama. O problema foi que nem todos foram bem trabalhados, resultando em algumas situações constrangedoras de tão sem graça que foram. Soma-se a isso, a lentidão da primeira parte dos 10 episódios que compuseram esta sexta temporada de Veep.
Personagens como Gary (Tony Hale), Ben (Kevin Dunn) e Amy (Anna Chlumsky) parecem esgotados no que podem oferecer, ainda que Mandel tenha se esforçado em abordar um pouco de cada um deles (o episódio com a família de Gary foi seu melhor momento este ano). Em contrapartida, Dan (Reid Scott) e Mike (Matt Walsh) obtiverem sucesso com o aprofundamento de suas histórias, mesmo que não tenham passado de um escape cômico – pouco pensando no que ficou evidente que podem agregar.
Por sorte, ao identificarem o mundo externo como uma página em branco para a série, ou seja, uma infinidade de possibilidades, Mandel e sua equipe conseguiram encerrar a temporada num nível satisfatório, digno de obter mais 17 indicações ao Emmy e a renovação da HBO para mais um ano. Não sei vocês, mas eu já estou ansioso para saber o que será do futuro de Selina e sua trupe.