Quem assiste Wolf Like Me, série criada por Abe Forsythe, original da Peacock (braço da NBC para o streaming, uma espécie de Globoplay), disponível no catálogo da Amazon Prime Video, pode ter uma falsa impressão da série. Não estamos diante de uma espécie de “Crepúsculo para adultos”.
Mary (Isla Fisher, de Os Delírios de Consumo de Becky Bloom) e Gary (Josh Gad, de Pixels – O Filme) são dois adultos na faixa dos seus 40 anos que desejam viver um novo romance, mas precisam saber como enfrentar o desafio de se abrir e expor sua bagagem, seus traumas, para outra pessoa.
Ao longo dessa primeira temporada de Wolf Like Me, devidamente renovada para um segundo ano, o público fica diante de muitas cenas envolvendo conversas em bancos de parques, em mesas de jantar, cuja amplitude parece tentar dimensionar o abismo entre eles e o vazio que tentam preencher.
A meu ver, é aqui que Forsythe deixa mais nítido que o seriado trata a respeito de relacionamentos e amor, mantendo um subtexto que atrai o público, mas cuja potência está no que é explícito.
‘Wolf Like Me’: o fantástico como metáfora
No instante que Wolf Like Me admite ao público que tenta conceber (e dissertar sobre) o amor irracional, sem lógica, as coisas funcionam melhor.
Wolf Like Me se passa em Adelaide, na Austrália. Gary é pai solteiro, tentando se recuperar da morte da esposa, ao mesmo tempo que procura criar uma boa relação com a filha, Emma (Ariel Donoghue), e não permitir que seus traumas impactem a maneira como ela cresce. Já Mary é colunista que compartilha conselhos sobre a vida das pessoas.
Após um horrível acidente de carro envolvendo ambos, suas vidas passam a ficar cruzadas, em uma espécie curiosa de atração e repulsão mútua. A personagem de Fisher guarda um segredo que a consome, mas que o público tem acesso de imediato – se não capta pelos episódios iniciais, fica óbvio pelos indícios associados ao nome do show.
A série não é brilhante, e chego até a sentir uma pontada de desânimo em alguns episódios, quando parece que a produção compôs sequências para tirar de nós uma comoção (isto é, não nos comovemos pelo o que o roteiro é, mas porque ele quer).
Todavia, é inegável o trabalho de Forsythe e seu time de roteiristas em compor essa simbologia entre a “fera” e nossos dilemas internos, ou como estamos dispostos a encarar a imperfeição do outro porque há nele algo mais significativo que seu pretenso problema.
E essas metáforas do texto dão a beleza que torna Wolf Like Me satisfatória, porque, em algum momento da trama, deixa de nos fazer levantar falsas teorias para assumir seu papel de comédia romântica super água com açúcar – e sem nenhum juízo de valor a esse respeito, pelo contrário.
No instante que Wolf Like Me admite ao público que tenta conceber (e dissertar sobre) o amor irracional, sem lógica, as coisas funcionam melhor. Talvez seu senão seja ter levado tão a fundo as cargas emocionais para explicitar o que queria desde o início, o que pode conferir certa desilusão.
O olhar estereotipado norte-americano
O seriado está longe de ser perfeito. Não foge aqui e ali de clichês, pode até ser cansativa. Alguns momentos são particularmente chamativos: a cena em que Gary entra em um táxi para seguir Mary; a tentativa de Gary sair com uma mulher, que resulta em um jantar com uma asiática que só queria encontrá-lo para treinar o inglês.
Ainda que se passe na Austrália, com cenas do outback australiano, todo o programa é estadunidense. Ao que pese o taxista alertá-lo sobre não seguir uma mulher (“você não deveria seguir mulheres assim, é 2021”), a cena do encontro é extremamente fora de lugar, preconceituosa. O maior exemplo do olhar estereotipado dos norte-americanos para o restante do mundo.
Wolf Like Me é eficaz em fazer o público torcer por Mary e Gary, mas, definitivamente, poderíamos ter ficado sem essas cenas.
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