Poucas figuras do panteão televisivo são tão conhecidas como Silvio Santos. Poucas, também, são tão desconhecidas quanto ele. As frases anteriores podem parecer contraditórias. No entanto, a leitura de Topa tudo por dinheiro – as muitas faces do empresário Silvio Santos, livro do jornalista e crítico de televisão Maurício Stycer, mostra que esse paradoxo faz sentido ao analisarmos a história registrada do maior apresentador da TV brasileira.
Dito de outra forma, sabemos muito sobre este grande personagem, mas muito do que sabemos está cercado de obscuridade: Silvio Santos assegurou, como demonstra Stycer, que sua biografia estivesse cercada sempre de uma nebulosidade estranha. Diz o jornalista: “nenhum outro empresário de comunicação, com exceção talvez de Assis Chateaubriand, se expôs publicamente tanto quanto ele. Mas também nenhum outro dono de televisão alimentou tantos mitos e disseminou tantas informações incompletas ou erradas a respeito de si próprio”. Apenas a título de ilustração, alguns exemplos destas informações erradas ou imprecisas: Silvio publicou uma história em quadrinhos em que distorcia parte de sua jornada, como seu nome real e a data de nascimento; por muitos anos, omitiu que era casado; mentia sua idade publicamente.
E por que fazia isso? A chave disso está no livro de Maurício Stycer, que faz um trabalho árduo para desvendar a faceta menos conhecida de SS, o empresário. Silvio Santos, como um excelente homem de negócios, controlou desde sempre sua imagem, entendendo-a como um produto à venda (pense que isso ocorre, pelo menos, desde a década de 60, quando estreou seu primeiro programa de TV, chamado Vamos brincar de forca), que poderia ser tão rentável quanto os demais produtos que vendia em seu trabalho de camelô. Foi uma estratégia bem-sucedida, uma vez que sua história foi recontada várias vezes (há seis biografias escritas sobre ele), mas continuou cercada de imprecisões. O mito, afinal, sobrevive da forma que quis se construir.
O trunfo do livro de Maurício Stycer está justamente no seu caráter investigativo, rompendo com a figura pública de Silvio e buscando confrontar dados e informações. Está mais para um livro científico, neste sentido, do que de uma biografia – uma vez que o jornalista busca desvendar o mito, e não sedimentá-lo. E isto, por si só, é um ganho e tanto para os registros históricos da comunicação do Brasil, pois Topa tudo por dinheiro reconhece, por fim, que Silvio Santos é uma figura tão importante para a trajetória da TV brasileira quanto os outros empresários de seu porte, como Chatô (já biografado com justiça na obra de Fernando Morais) e Roberto Marinho.
Poucas figuras do panteão televisivo são tão conhecidas como Silvio Santos. Poucas, também, são tão desconhecidas quanto ele.
Por sua abordagem bastante sóbria, o livro vale a leitura a todos os interessados por história do Brasil, e não apenas pelo SBT, ou pelo próprio apresentador. Vários episódios importantes – quando não curiosos e mesmo divertidos – são relatados com detalhes, como a louca história de quando Silvio se candidatou à presidência, concorrendo de última hora nas eleições de 1989, numa espécie de capricho irresponsável de alguém que nunca de fato se interessou por política (uma curiosidade: como as cédulas já tinham sido impressas com o nome de outro candidato, Silvio teve que rebolar para informar o eleitor de que o 26 era ele).
O livro segue abordando temas como o caráter duvidoso do Baú da Felicidade, acusado várias vezes de funcionar como uma forma de estelionato cometido contra pessoas pobres; as relações algo mercenárias mantidas por SS com todos os presidentes do país, sem qualquer viés crítico às questões políticas (Silvio já se declarou como um “office-boy de luxo do governo”) – o que, por consequência, colocou o SBT numa postura constante de desvalorização de seu jornalismo, uma vez que a emissora sempre evitou manter posturas combativas aos governantes.
Para além da abordagem da história de um apresentador, Topa tudo por dinheiro acaba fazendo um retrato interessante do país e das mídias que ajudam a construí-lo. A figura extremamente carismática de Silvio Santos – que, ainda que seja constantemente criticado pelas suas declarações politicamente incorretas, segue como uma espécie de unanimidade nacional – mostra um pouco sobre nós. Por um lado, o mito (palavra infelizmente banalizada no último ano) resiste por longas décadas, pois permanece e muda ao mesmo tempo.
Cultuado ao longo dos anos como um self-made man (um típico produto bem-sucedido do capitalismo, um homem que forjou do nada uma carreira grandiosa – diferentemente de quase todos os outros magnatas de televisão, o apresentador não é oriundo de família poderosa), hoje Silvio é admirado na mesma medida em que é atacado. Mas é bom lembrar que Silvio Santos permanece fiel ao personagem que construiu a duras penas – ainda que seu entorno tenha evoluído. Não obstante, uma coisa é certa: não há outro personagem na TV como Silvio.
TOPA TUDO POR DINHEIRO | Maurício Stycer
Editora: Todavia;
Tamanho: 256 págs.;
Lançamento: Setembro, 2018.