Na semana passada, o comediante Marcelo Adnet foi recepcionado pela bancada do Roda Viva, o mais tradicional programa de entrevistas do país. Sua vinda repercutia um pedido feito por inúmeros brasileiros nas redes sociais, que o reconhecem como o que há de mais primoroso no humor brasileiro televisivo.
No centro da roda, o polido Adnet parecia algo deslocado de seu lugar. O humorista demonstrava a clara noção do que significa receber um convite desses: no mínimo, um reconhecimento sobre a repercussão pública do seu trabalho, em especial nos últimos anos, com a criação do fundamental Tá no Ar – A TV na TV. Por isso, Marcelo Adnet – cujas performances mais recentes reverberam um ácido comentário sobre a política – dava a impressão de ter plena ciência de que foi “promovido” para além de um comediante, mas a um comentarista legitimado da situação do Brasil, apto para dar opinião sobre assunto sérios, sisudos, sem brincadeiras.
Por mais que todo o episódio com Adnet tenha pecado em certos aspectos (destaco, especialmente, um tom meio “chapa branca” em certos momentos da entrevista, as “perguntas-ataque” algo alucinadas de Marcelo Tas e o tom excessivamente treinado com o qual Adnet se esquivou do questionamento sobre o desligamento da Globo de seu colega e parceiro Marcius Melhem, acusado de assédio moral) , creio que sua participação apenas sedimenta um fato: Adnet (ao lado de Tatá Werneck) é responsável pelo que há mais interessante no humor televisivo.
Com a quarentena, Marcelo Adnet foi mais um dos tantos artistas que se “reinventou” e continuou a produzir. Mas, diferente de outros colegas seus, como Bruno Mazzeo e seu Diário de um confinado, o programete Sinta-se em casa, feito por Adnet e veiculado na plataforma Globoplay, com inserções no Encontro com Fátima Bernardes, beira a precariedade máxima. O que temos são curtas performances do humorista dentro de sua casa, gravadas aparentemente com celulares, usando suas próprias roupas. No entanto, em Sinta-se em casa, ele faz aquilo no qual é mestre: imitações.
Com a quarentena, Marcelo Adnet foi mais um dos tantos artistas que se “reinventou” e continuou a produzir. Mas, diferente de outros colegas seus, o programete Sinta-se em casa beira a precariedade máxima.
Se por um lado o humor fundamentado em imitações parece bobo (os imitáveis quase sempre são os mesmos: Lula, Silvio Santos, Faustão, Gugu, recentemente também Bolsonaro), Marcelo Adnet consegue elevar a imitação a outros níveis. Ao ser talhada pelo talentoso humorista, ela ganha contornos políticos. Em suma, como já foi dito por vários críticos, Adnet conseguiu transformar seu Sinta-se em casa em crônica– um texto curto, entre o jornalismo e a literatura, que faz um comentário bem-humorado sobre algo da vida cotidiana dos leitores/ espectadores. Basicamente, o programa promove um recorte dos personagens que mais se destacaram na editoria política do dia anterior.
As imitações políticas de Adnet passaram a repercutir mais em 2018, quando ele gravou uma série de quadros personificando os principais candidatos à presidência para o jornal O Globo. O sucesso foi estrondoso. Seu Jair Bolsonaro, tão surreal quanto o original, consegue soar mais autêntico o próprio presidente eleito. Em seu processo de trabalho (sobre o qual falou um pouco na entrevista do Roda Viva), Marcelo Adnet consegue captar as minúcias que nos tornam quem somos: os vícios de linguagem, a respiração, os tiques, os gestos, as palavras mais usadas, as expressões faciais, o timbre da voz.
Os melhores episódios do Sinta-se em casa, entretanto, não giram apenas em torno da política. Um dos quadros mais engraçados é a recorrente imitação das transmissões feitas pelo casal Paula Lavigne e Caetano Veloso, no qual Paula cobra que Caetano faça uma live – a qual finalmente ocorreu, e foi devidamente anunciada dentro do próprio Sinta-se em casa, e transmitida via Globoplay. Um crossover totalmente inusitado entre um dos maiores artistas brasileiros vivos e um programete de humor. Outro hit são as imitações feitas dos participantes do Big Brother Brasil, criando personagens divertidos e seguem repercutindo, mesmo com o encerramento do programa, logo no início da pandemia.
Com formato curto e preciso (os episódios nunca passam de 5 minutos), Sinta-se em casa já passou de 150 edições, todos produzidos depois do começo da quarentena. Fica no ar a expectativa de que, para nosso deleite, continuamos recebendo essa crônica depois que a vida se “normalizar”.