Mudanças nunca são fáceis, seja na vida ou nas séries. Para Stranger Things, atualmente em sua terceira temporada, isso é ainda mais delicado, visto que ela é um produto criado diretamente para alcançar o coração nostálgico dos adultos. Qualquer tentativa de mudar o sentimento presente no imaginário do telespectador pode ser um tiro no pé. Muita gente vem reclamando dessas mudanças, muita gente vem adorando, outros ainda acusam uma repetição de fórmula. Na minha opinião, a série vem crescendo admiravelmente, conseguindo agradar tanto os marmanjos saudosistas quanto o público mais jovem.
A nova temporada começa em 1985, numa Hawkins agora diferente do que vimos até então. O verão está mais quente do que nunca e um novo shopping foi inaugurado na cidade. Essa novidade matou diversos comércios locais, inclusive o de Joyce (Winona Ryder), que tenta superar a morte do namorado. O grupo de protagonistas está chegando à adolescência e pequenos romances complicam a dinâmica dos amigos, especialmente os namoros de Eleven (Millie Bobby Brown) e Mike (Finn Wolfhard) e de Lucas (Caleb McLaughlin) e Max (Sadie Sink). Enquanto isso, um novo perigo surge sorrateiramente através de Billy (Dacre Montgomery), que acaba sendo possuído pelo Destruidor de Mentes. Com a cidade ameaçada novamente, Eleven e seus amigos percebem que o mal nunca acabou, apenas evoluiu.
A diferença da primeira temporada para a terceira é que, agora, eles não se levam tão a sério, ao mesmo tempo em que a trama fica, de fato, interessante. Se vimos uma série bonitinha no primeiro ano e mais sombria no ano passado, agora chegamos a assistir a um enredo que pode ser facilmente classificado como terror, mas sem perder a ternura e as pitadas de humor. O exemplo fica no ótimo número musical visto no último episódio, que serve para amenizar um pouco o que é visto na tela e nos lembrar que, afinal, Stranger Things é pura diversão.

A série vem crescendo admiravelmente, conseguindo agradar tanto os marmanjos saudosistas quanto o público mais jovem.
O que mais me chamou a atenção neste terceiro ano foi a calma com que os irmãos Duffer, criadores da série, conseguiram estabelecer o ritmo da trama. Nos primeiros episódios, podemos ver o grupo de crianças (agora pré-adolescentes) vivendo normalmente, sem nenhuma bizarrice por perto. Assim, temos ótimas cenas envolvendo Mike, Eleven, Max, Lucas, Dustin e Will. A ambientação está melhor do que nunca, sendo que boa parte das histórias se passa dentro de um shopping cheio de referências oitentistas. É nele que vemos Eleven e Max vivendo seus momentos de garotas empoderadas ao som de Madonna, em uma cena irresistível. Os mistérios vão sendo apresentados aos poucos e a divisão dos personagens funciona muito bem para dar agilidade e tempo à narrativa.
Basicamente, temos três arcos narrativos diferentes que convergem nos últimos episódios para um final de cortar o coração. Repleto de metáforas e, claro, referências ao cinema, o terceiro ano de Stranger Things parece preparar o público para uma inevitável mudança futura, que deve ocorrer nas próximas temporadas, tanto para a própria história quando para os atores, que agora cresceram consideravelmente. É sempre difícil fazer essa transição na televisão, porque isso exige tramas mais complexas, separações, decisões arriscadas, o que coloca em risco a fidelidade do público. Portanto, o que vemos durante todos os oito episódios é uma alegoria sobre fim da infância, hormônios, puberdade e primeiro amor, preparando terreno para o que virá.

Quem deixa isso bem claro é Will, vivido pelo ótimo Noah Schnapp. Depois de passar duas temporadas sofrendo nas mãos de Demogorgon e do Destruidor de Mentes, o garoto quer viver sua infância como antes dos trágicos acontecimentos. Seus outros amigos, porém, não estão na mesma sintonia, preferindo mais falar sobre garotas e relacionamentos do que brincar de RPG. A atuação de Schnapp é comovente, tal como já havia sido na temporada passada. Em determinada cena, o jovem ator de 14 anos mostra todo seu talento ao expressar sua dor por perceber que a infância já não é mais sentida pelos seus amigos como outrora.
Um personagem que também exalta o tom de mudança é Hopper (David Harbour), que agora precisa lidar com a adolescência de Eleven e sua rebeldia. Hopper começa meio sem controle e mal humorado, mas aos poucos surge, talvez, como o melhor e mais bem construído personagem da temporada, deixando uma mensagem comovente nas últimas cenas do oitavo episódio.
Já outro grupo, composto por Steve (Joe Keery), Dustin (Gaten Matarazzo), Robin (Maya Hawke) e Erica (a irmã de Lucas, vivida pela ótima Priah Fergunson) garante as cenas mais engraçadas da temporada e dá agilidade a uma trama de espiões russos que, embora clichê ao máximo, flui muito bem naquela vibe oitentista de Guerra Fria. Já Jonathan (Charlie Heaton) e Nancy (Natalia Dyer) ajudam bastante a narrativa andar, mas suas histórias soam deslocadas. Mesmo assim, não incomoda

Deixando de lado as metáforas, a maior mudança neste ano é o tom. Ao invés de suspense, temos cenas verdadeiramente horrendas. A série apresenta algumas passagens grotescas de corpos se desintegrando, massa corporal se unindo para virar um monstrengo horrendo e lutas capazes de deixar o público tenso. Tudo isso é feito de maneira brilhantemente orquestrada, dando um ritmo muito mais frenético do que visto nos anos anteriores.
Eu sou daqueles que não curtiu tanto a primeira temporada, que era mais uma homenagem à memória afetiva. No segundo ano, a visão sombria dos roteiristas e diretores me empolgou mais. Já no terceiro, com uma trama mais complexa, acabei abraçando de vez a mitologia, no que julgo ser a melhor temporada até então. O final serve tanto como fim da série ou como para apenas o fim de um ciclo, mas ficou a sensação de que Stranger Things está bem mais segura e que sabe exatamente para onde quer ir daqui para a frente. Embora os anos 80 na cultura pop atual já esteja se esgotando, Stranger Things consegue construir um universo próprio para andar com suas próprias pernas e não somente com o saudosismo de seu público original.