Costumamos pensar que as redes sociais são as grandes disseminadoras de opiniões vazias, de um blábláblá interminável sobre qualquer coisa, colocando em pé de igualdade a fala de gente especializada (que estudou e é capaz de sustentar argumentos mais endossados) com o discurso de quem defende que “essa é minha opinião e eu tenho o direito de expô-la”.
No entanto, eu diria que a televisão sempre se alimentou – e segue se alimentando – deste debate pouco embasado sobre assuntos diversos. O formato mesa redonda, ou “sofá” de conversa, é bastante explorado não apenas no jornalismo esportivo. Para isto, basta lembrar de que o sofá da Hebe foi, por décadas, um espaço em que os convidados da apresentadora se sentavam e sentiam-se à vontade para emitir comentários acerca qualquer coisa que lhes acometesse.
O formato talk show baseia-se justamente na espontaneidade, na sensação de que há, ali, manifestação genuína do que os participantes realmente sentem. Temos ali – supostamente, é claro – não um personagem, no sentido de alguém que atua para uma câmera, mas um indivíduo que se posiciona e diz o que de fato pensa. Não obstante, este tipo de programa – a que menciono, pejorativamente, como uma atração voltada ao blábláblá das celebridades – abre espaço para que qualquer bobagem seja proferida em rede nacional.
O formato talk show baseia-se justamente na espontaneidade, na sensação de que há, ali, manifestação genuína do que os participantes realmente sentem.
E talvez esteja aí a grande diferença da opinião vazia nas redes sociais e na televisão. Enquanto as redes, querendo ou não, são relativamente difusas, espraiadas, a TV é centralizada, necessariamente massiva, e chega à casa de milhares de pessoas que a assistem, muitas vezes involuntariamente. E tudo isso, é claro, envolve uma enorme responsabilidade a tudo que é dito dentro deste veículo.
Menciono dois episódios aleatórios referentes ao risco deste blábláblá televisivo. Uma pequena polêmica se insinuou essa semana a partir de uma edição do programa Superpop, da Rede TV!, com Luciana Gimenez. A apresentadora recebeu a socialite Val Marchiori, que comentou a briga judicial envolvendo a ex-modelo Luiza Brunet e seu ex-namorado Lírio Parisotto, que a agrediu e foi processado. Na ocasião, Val emitiu o seguinte comentário: “Eu sou muito a favor das mulheres, mas tudo o que li na imprensa, acho que ele foi muito injustiçado. Como que uma mulher que está com as costelas quebradas vai trabalhar, depois entra com uma ação, depois pede R$ 100 milhões? Acho muito estranho”.
Luiza Brunet se manifestou nos dias seguintes, nas redes sociais, criticando a estrutura do programa. Segundo a ex-modelo, faria mais sentido que esse assunto fosse debatido não por socialites, como Val, mas sim por fontes mais especializadas. Deixou uma sugestão para os próximos programas: “chamem promotoras públicas, delegadas de delegacias de Direito da mulher e principalmente mulheres invisíveis que apanham diariamente e não têm a coragem que tive”.
É curioso então notar que a reivindicação de Luiza – que faz todo o sentido – vai contra a sua própria participação na mídia (como celebridade televisiva, ela certamente já emitiu opiniões aleatórias que vão além de seu conhecimento em programas do estilo do Superpop). Ou seja, a questão que se insinua tem mais a ver com as temáticas as quais se aborda: há necessidade de que certos assuntos não sejam abordados pelos famosos, uma vez que eles emitem pontos de vista pouco fundamentados?
Em um outro momento da televisão, o programa Fofocalizando, do SBT, também um programa de debates, centralizado na fofoca sobre famosos, trouxe outro exemplo dos riscos que giram em torno dessa suposta bandeira da liberdade de poder-se falar qualquer coisa. Na última sexta-feira (24), os apresentadores do programa comentaram uma notícia sobre a atriz Claudia Alencar, que assumiu ter feito um aborto aos 17 anos.
A repercussão da notícia no Fofocalizando beirou o tom religioso e punitivo que não condiz em nada com a superficialidade alegre de um programa sobre fofoca. Os apresentadores Mama Bruschetta e Leo Dias manifestaram-se contra o aborto. Não há qualquer problema sobre esta posição, é claro – o problema, na verdade, estava no desenvolvimento do argumento que asseguraria essa posição. Leo Dias, por exemplo, criou raciocínios surreais para defender sua ideia: o de que todas as mulheres que fazem aborto se arrependem, e mencionou uma amiga que teve um filho terrível, e que isso seria uma punição (divina?) por ela ter feito um aborto anteriormente.
Tudo muito redutor, raso como um pires, sustentado em argumentos sem nenhuma cientificidade (não há, por exemplo, qualquer dado sólido trazido pelo jornalista para sustentar sua hipótese de que “toda mulher que faz aborto se arrepende”). Não há aqui nada mais do que blábláblá emitido em rede nacional, adentrando na casa de pessoas de todos os tipos e repertórios e, desconfio, assentando ideias simplórias que enfraquecem um debate maduro e útil sobre um tema sério como o direito ao aborto ou a punição de casos que envolvem a violência contra a mulher.
Seria talvez o momento para que as emissoras repensassem o quanto este tipo de programa, de conversas aleatórias com celebridades, promove algum tipo de conhecimento ou, por outro lado, repercutem apenas a burrice daqueles que acham que qualquer opinião importa e merece ser ouvida.
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