E finalmente chegamos à quarta temporada de um dos mais esperados programas da televisão: o impagável Lady Night, híbrido entre um talk show e um programa de comédia do canal Multishow protagonizado por Tatá Werneck, hoje a melhor humorista do Brasil. Depois de três temporadas exitosas, chegamos à quarta com uma expectativa diferente, pois Tatá, como foi divulgado amplamente nas mídias, está grávida e espera sua primeira filha.
Já comentei, em textos anteriores, que o humor de Tatá Werneck tem algo de subversivo, uma vez que ela ousa inverter parâmetros daquilo que uma mulher pode (ou podia) dizer em público. Historicamente, foi permitido apenas aos homens que falassem ou fizessem certas coisas (uma lembrança de infância é ouvir pessoas, incluindo mulheres, criticando outras mulheres porque “fuma na rua”). Mais que isso, sempre pegou mal a uma mulher rir de si mesma e dos homens, ter a ousadia de mostrar-se sexualmente ativa, de exibir um lado menos “domesticado” do que costuma ser esperado a ela. Por isso, mulheres como Tatá – e outras comediantes que a antecederam, como Dercy Gonçalves, que disparava palavrões como se não houvesse amanhã – trazem algo de revolucionário em suas performances.
Tatá é uma verdadeira iconoclasta capaz de desconstruir muitos dos padrões estabelecidos para nós, mulheres, da forma mais inteligente possível: fazendo rir.
Mas, como disse, Tatá está grávida, e por isso havia uma expectativa (minha, pelo menos) sobre como ela lidaria com isso frente ao tom escrachado do seu humor no Lady Night. Afinal, se a maioria das pessoas entende que a gravidez aproxima a mulher de uma concepção do sagrado, do intocável, quase como se o corpo não fosse mais dela e sim de todos, como poderia este mesmo corpo continuar dedicado ao deboche?
Tatá, para nossa alegria, não decepcionou. Manteve-se fiel ao seu estilo: rápida, zombeteira, essencialmente hilária. Falou de sua gravidez durante todo o tempo, fez jus à tônica que tornou Lady Night imperdível. A “gata no cio” continua imprevisível, perguntando o que dá na telha, improvisando com uma velocidade impressionante, tirando sarro o tempo todo de si mesma e dos outros – inclusive um tema referente desta temporada foi a relação com seu namorado, Rafael Vitti, alvo de muitas piadas (como, por exemplo, a diferença de idade entre ambos).
Em resumo, a temporada não recuou em relação às demais. Ao contrário, avançou ainda mais na pequena revolução protagonizada por Tatá e sua equipe. A comediante beijou Rodrigo Santoro, chorou com Taís Araújo, leu notícias com Fátima Bernardes. Trouxe ao palco uma brincadeira de “Fralda na cara” (referência ao quadro “Passa ou Repassa”, do Domingo Legal, no SBT) e jogou fraldas com cocô de nenê na cara do namorado (e teve, claro, o cocô esfregado em sua cara). Em uma conversa com Deborah Secco sobre suas experiências sexuais, Tatá chegou ela mesma a simular uma performance sexual. Com Chay Suede e Rafael Vitti, simulou um “surubão” (piada que claramente faria referência ao pequeno escândalo envolvendo atores da Globo em Fernando de Noronha). Sim, uma grávida, com barriga já proeminente, fazendo piadas físicas sobre sexo.
O fato é que Tatá tem uma força incomparável para o humor. Mais que isso, ela é uma verdadeira iconoclasta capaz de desconstruir muitos dos padrões estabelecidos para nós, mulheres, da forma mais inteligente possível: fazendo rir. Conforme já anotei em outros momentos, em Lady Night, seria impreciso definir Tatá Werneck como uma entrevistadora de talk show, afinal no programa os convidados não são as estrelas, mas a escada (o profissional que “levanta” a piada para o outro cortar, tal como Dedé fazia em Os Trapalhões) para que ela possa brilhar. As melhores entrevistas então acabam sendo com as pessoas que têm um tino de humor semelhante ao dela, capazes de se desmontar na frente de uma câmera.
Mas, mais uma vez, a cereja do bolo segue sendo o quadro “Entrevista com o especialista”, um momento pingue-pongue em que Tatá faz uma entrevista com algum profissional de uma área específica. O sucesso do quadro é tão grande que, curiosamente, as entrevistas parecem ter estendido sua duração nesta quarta temporada, chegando a atingir dez minutos. O quadro é a melhor “tela” possível para que Tatá demostre o seu talento para o improviso e para o nonsense, soltando trocadilhos e emitindo tiradas tão rápidas quanto os sustos levados pelos entrevistados. Em uma postura de seriedade que, em si mesma, já é hilária, de óculos na ponta do nariz e falando diretamente conosco, os espectadores, Tatá, neste quadro, fica insuperável.
A cada temporada, no entanto, o quadro se complexifica, por uma simples razão: os especialistas (pessoas anônimas) estão cada vez mais conscientes da natureza do quadro, o que significa que eles já chegam afiados para gravar com Tatá. A graça do quadro está justamente no fato de que as pessoas perdem a reação ao serem confrontadas com perguntas absolutamente esdrúxulas. Por isso, a fama atingida pelo quadro torna-o ainda mais exigente com a comediante, que precisou afiar-se nos debates. Por consequência, a “Entrevista com o especialista” passou a ser um “duelo” tão maluco que a única saída é rir. Preste atenção, especialmente, no episódio em que Tatá entrevista um terapeuta de casal que joga o jogo do absurdo com a mesma habilidade que ela.
Para nossa alegria, Lady Night já está confirmada para mais uma temporada no Multishow. Já fica a expectativa sobre como será o programa agora com Tatá mãe. Provavelmente, mais engraçada ainda – se é que isso é possível.