Após assistir tantos animes e algumas séries infantis, decidi que esta semana iria ver algo diferente. Após uma pesquisa rápida no IMDb, encontrei The Maxx, uma minissérie animada adulta baseada nos quadrinhos de mesmo nome de Sam Kieth e produzida pelo MTV na década de 1990. Sim, a MTV. Não que ela não tenha já feito boas produções – como Daria, Projeto Clonagem e Wonder Showzen -, mas digamos que seus produtores têm uma tendência de cancelar seus melhores programas antes da hora.
De qualquer forma, nunca tinha ouvido falar desta série e, consequentemente, muito menos dos quadrinhos (ajudado pelo fato de que não tenho muito conhecimento nesta mídia). Mas resolvi mergulhar nessas águas misteriosas e ver o que acontecia. E após treze episódios (que juntos, dão umas duas horas e meia), fiquei tão impressionado quanto confuso. E tenho a leve impressão de que esta era exatamente a intensão.

The Maxx foi originalmente exibido na faixa de horário apropriadamente intitulada “Oddities”, que dividia com a animação The Head. E eu poderia ficar aqui um tempão explicando a história da série, mas não preciso: A própria introdução, narrada pelo antagonista Sr. Gone (interpretado brilhantemente no áudio original por Barry Stigler), conta tudo o que você precisa saber:
“A maioria de nós habita pelo menos dois mundos: o mundo real, onde estamos à mercê da circunstância; e o mundo interior, o inconsciente, um lugar seguro onde podemos escapar. O Maxx alterna entre estes mundos contra sua vontade. Aqui, sem teto, ele vive em uma caixa em um beco. A única que realmente cuida dele é Julie Winters, uma assistente social freelancer. Mas em Pangeia, o outro mundo, ele governa o Outback e é o protetor de Julie, sua Rainha da Selva. Lá, ele cuida dela. Mas ele sempre acaba de volta no mundo real.”

Quanto a programas originais e verdadeiramente divertidos como The Maxx… Bem, o que nós mortais podemos fazer é divulgá-los no boca a boca, como tenho feito aqui.
Eis aí The Maxx: uma jornada deturpada a este mundo ao mesmo tempo fascinante e sombrio, onde nada parece ser o que é à primeira vista. O que pode parecer uma história de super-herói mostra-se na verdade um suspense literalmente psicológico, utilizando seus visuais imaginativos para representar questões profundas referentes à memória e à consciência; a trama, que a princípio parece ser centrada em Maxx, pende cada vez mais para Julie, uma mulher tendo que lidar com os antigos traumas que a afastaram de sua criança interior e daquilo que ela deveria ter sido; o próprio “mundo real”, ao final da série, pode ou não ser apenas uma fantasia.
Esta ambientação surreal é reforçada pela animação, que constantemente muda de estilo – utilizando todas as variações de traços imagináveis entre ultrarrealistas e simplificados –, desnorteando o espectador a tal ponto que este, assim como Maxx, também começa a questionar o que é real e o que não é. A escrita fragmentada e inteligente dos episódios, cheia de lacunas cuidadosamente colocadas e desenvolvimentos que exigem um enorme trabalho de interpretação, apenas reforça essa sensação de assombro e perturbação, mas sem deixar de divertir e, principalmente, tocar o espectador.

Confesso que, ao terminar a série, fiquei tão impressionado que resolvi ir atrás dos quadrinhos originais. E duas coisas puderam ser notadas. A primeira é que – “talvez” devido ao fato de o próprio Sam Kieth tê-la coproduzido – a série é extremamente fiel aos quadrinhos, não apenas quanto à história, mas inclusive quanto a aspectos que são supostamente próprios da linguagem dos quadrinhos, como as onomatopeias que aparecem em cena e os “quadros-dentro-de-quadros”, o que apenas adiciona ao estranho charme da animação.
A segunda é que a série adapta apenas parte dos quadrinhos, deixando de lado, entre outras coisas, as origens dos personagens, que são melhor exploradas no material original. Porém, embora seja interessante ver como Maxx e Julie vieram a ser quem são, confesso que não é necessário: como os próprios personagens não entendem direito suas origens, o fato de nós também não as entendermos gera uma espécie de empatia por eles e pelo estado deplorável no qual essa falta de explicação os deixa.
Não consegui descobrir se a MTV considerou produzir uma segunda temporada – ainda mais sendo que os quadrinhos continuam para além do arco adaptado pela minissérie -, mas considerando a qualidade da série, ela merece bem mais do que o que teve, sendo pouco conhecida entre o público jovem demais para tê-la visto quando foi originalmente ao ar. O máximo que a emissora fez nesse sentido foi deixar todos os episódios disponíveis gratuitamente em seu site, com pouca divulgação, e ainda apenas nos EUA (o que pelo menos torna fácil encontra-los para assistir na internet em outros sites). Ao invés disso, ela continua dando prioridade a reality shows, programas de competições e outros tipos de entretenimento facilmente popular que há anos têm infestado diversas redes. Quanto a programas originais e verdadeiramente divertidos como The Maxx… Bem, o que nós mortais podemos fazer é divulgá-los no boca a boca, como tenho feito aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=6JdsGxP9DsU